🟦 ̶N̶ã̶o̶ lide com sua família
Eclampsia.
Eclam. Psia.
Essa palavra ficava se repetindo em minha mente, achava ela tão bonita, gostava da forma que a língua tocava o céu da boca para pronúncia-la. Ela me lembrava céu, por algum motivo. Talvez porque se parecesse com eclipse. É, talvez fosse por isso.
Faria sentido se eclampsia fosse como um eclipse solar, em que o mundo se torna escuro por alguns segundos, assim como tinha sido para Clarissa.
O mundo de Clarissa tinha se tornado escuro por dois minutos. Esse foi o tempo que ela ficou desacordada, após a parada cardíaca que teve durante a cesariana de emergência. Mas conseguiram reanima-la, trazê-la de volta e isso me deixava feliz.
Peguei o dicionário e busquei pela palavra, realmente estava intrigada ou, talvez, só queria me ocupar com algo. Mas a definição já era basicamente o que eu sabia: complicações na gravidez associadas a hipertensão arterial. Meu pai contou que tinha sido por isso que ela ficou tão inchada.
Meu pai tinha enchido meu celular de mensagens naquela noite, a primeira era a única que perguntava onde eu estava, todas as outras falavam sobre o estado de Clarissa. Acho que qualquer detalhe que ele obtinha, mandava para mim, já que eu não atendia suas ligações.
Não sei o que rolou, mas ele também não avisou a minha mãe que eu tinha saído pela cidade sozinha, caminhando noite a dentro. Ela não sabia que isso tinha acontecido, na verdade, ela só sabia que Clarissa tinha tido pré-eclampsia e, nessa noite, eu voltei para casa e não quis conversar com ela.
Deitei na cama e encarei o teto branco. Prefiro interpretar que as mensagens que meu pai tinha me enviado era a forma dele me pedir desculpas pelas palavras angustiantes que me disse no hospital. Não o vi pessoalmente desde aquela noite, estou esperando minha mãe para irmos visitar Clarissa no hospital e só então os verei novamente.
Peguei o notebook e busquei pela origem da palavra eclampsia. Apareceu que ela teve origem do termo grego para relâmpago.
Lembrei imediatamente de Benjamin, da âncora que ele foi para mim naquela noite em que fiquei a deriva. Ele era, como disse a professora fofa e desengonçada, um bom menino.Tínhamos trocado apenas algumas mensagens depois de nosso encontro. E sim, dessa vez não ignorei, muito menos apaguei. Ele perguntou como estavam as coisas, eu disse que, diante de tudo que rolou, estavam bem.
Perguntei sobre a questão dele com o pai, ele respondeu que tava na mesma e era assim mesmo, que ele já tinha acostumado.
Peguei meu celular e tinha mais uma mensagem de meu pai, era uma foto. Sorri encarando a tela, sentindo meu peito ficar com aquele calor gostoso. Era meu irmãozinho na foto.Não estava bonito, porque já é bem difícil um recém-nascido vir bonito, imagina um que veio antes do tempo?! Ele nasceu de sete meses.
Na foto, estava deitado na incubadora, todo vestidinho, sua carinha meio avermelhada me fez torcer para que ele não fosse ruivo como eu, pelo menos, eu não gostava de ser ruiva. Respondi que ele era fofinho e perguntei se já tinham dado um nome.
Heitor. Esse era o nome do meu irmãozinho. Meu pai completou a mensagem dizendo que eu era a primeira pessoa a receber uma foto de Heitor e senti novamente que aquela era sua forma de se desculpar.
Clarissa ficaria bem, os médicos tinham dito isso a meu pai. Heitor também ficaria bem. Isso me causava uma alívio imenso, de alguma forma, eu me sentia culpada, talvez pelas acusações de meu pai ou por ter certos pensamentos acerca de Clarissa que, em todas as vezes que a vi, foi muito gentil comigo.
A questão é que eu passava a ter uma perspectiva diferente sobre tudo, começava a conseguir encaixar as coisas e isso me deixava mais tranquila. De certo modo, todas as catástrofes parecem ter iniciado com minha mãe.
Dona Lívia Maria tinha traído o marido com seu antigo chefe. Meu pai tinha descoberto tudo e por isso começaram as brigas, ela saiu do emprego para tentar salvar o casamento.
Salvar? Como havia dito meu pai uma vez, na verdade, ela enterrou o casamento deles.
Então fomos a falência, não que fossemos ricos, mas vivíamos muito confortavelmente. Tentei identificar o motivo para isso: minha mãe saiu do emprego que ganhava um salário muito bom - convenhamos que o que ela ganha na galeria era a metade. Meu pai começou a não administrar bem suas lojas... Talvez por angústia? Tristeza pela traição? E agora ele tem outra família, o que torna essa questão ainda mais complicada.Tirei a foto que havia guardado entre as páginas do planner. Eu deveria ter três anos na época, parecíamos uma família feliz que ficaria unida até o fim.
- Alice, tá pronta? - Gritou minha mãe do banheiro.
Abri a porta do quarto e sai para o corredor.
- só te esperando. - Respondi.Depois de cinco minutos ela saiu do banheiro, os cabelos loiros molhados e penteados, prontos para secar pelo trajeto até o hospital. Fui o caminho inteiro presa aos meus fones de ouvido, apenas encarando a cidade pela janela. Passamos pela igreja cristã com seu formato de semi-círculo e me arrepiei inteiramente ao lembrar dos homens que me seguiram. Prometi a mim mesma que tomaria mais cuidado quando quisesse dá essas caminhadas. Ainda cumpro essa promessa.
Infelizmente não pude entrar para ver meu irmão e Clarissa, por causa das regras do hospital só entravam maiores de idade. Achei ridículo aquilo, dezesseis anos eram os novos dezoito, não?! De qualquer modo, vi apenas meu pai que já estava bem mais tranquilo. Ele me abraçou, conversou comigo, mas não pediu desculpas pelas palavras. Me convenci de que isso tinha acontecido de maneira sutil e o perdoei.
Encarei minha mãe que observava a nossa conversa, ela sorriu, parecia feliz por painho e eu estarmos nos dando bem e, ora, era mais um ponto que eu conseguia encaixar. Ela insistia pelo meu contato com meu pai, porque a culpa era dela.
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Como ̶N̶ã̶o̶ Se Apaixonar Pelo Professor
RomanceQuando as coisas em nossa vida saem dos trilhos e somos arremessados as consequências, fica difícil de lidar e aceitar, ainda mais se você é uma adolescente de dezesseis anos. Os pais de Maria Alice se divorciaram, a mãe perdeu o emprego e o pai, b...