Regra Número 10:

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🟦 ̶N̶ã̶o̶ Consiga Permissão Para a Viagem da Escola

Um silêncio devastador percorria a casa inteira, parecia não haver viva alma ali, mas lá estavamos eu e Clarissa sentadas no sofá da sala. Ela com as mãos sobre as coxas, parecia ansiosa e eu fingindo que não estava em sua compainha. Meu pai não estava em casa, tinha saído para fazer o pagamento de alguns boletos e, de acordo com sua namorada, já deveria está voltando e por causa dessa promessa de retorno breve que aceitei entrar e aguardar.

- Quer bolo? - Perguntou rompendo o silêncio de maneira repentina.

- Não, obrigada.

- Tem certeza? É de chocolate com cobertura de ninho, eu que fiz. Gosto de fazer guloseimas!

Encarei a mulher sorridente e resolvi aceitar seu tentador bolo. Não gostava dela, não gostava daquela situação, mas ainda restava em mim alguma educação e ela estava se esforçando tanto que me dava, no fundo, lá no fundo do meu ser, algum resquício de pena.

Ela se levantou e me convidou a acompanhá-la. Aguardei sentada a mesa enquanto ela me servia de uma generosa fatia do bolo, seu recheio escorrendo pelo prato e me deixando com água na boca. A namorada do meu pai queria me comprar pela barriga e parecia estar conseguindo. Clarissa serviu uma fatia para si mesma e sentou-se de frente para mim. Elogiei seu bolo e a empolgação tomou conta da mulher que pegou seu celular e começou a me mostrar fotos de mousses, tortas e diversos bolos que ela alegava fazer nas horas vagas. Olhei tudo com atenção respeitosa e educava, não que eu estivesse querendo agrada-la, mas sabia meu lugar ali.

- Fiz esse hoje quando seu pai me disse que você viria. - Disse ela puxando meu saco.

- Obrigada, mas não precisa...

- Claro que precisava, o que estaríamos comendo agora? Biscoito? - e riu olhando ao redor da cozinha para evidenciar as poucas opções. - mas também, confesso que estava desejando.

- Não julgo, é realmente muito gostoso. - Concordei.

- É não, é? Obrigada, Alice, fico contente que tenha gostado. - Agradeceu e ficou me encarando por alguns segundos com seu sorriso largo na face e um brilho que parecia sair de si, mas não sei bem de onde. Para mim, continuava a ser um brilho tóxico. Clarissa se levantou e recolheu os pratinhos e copos que outrora estavam cheios até a borda de água. Pássaros cantavam e isso me lembrava que no quintal da casa tinha algumas árvores onde eles faziam seus ninhos e eu, quando pequena, brincava de escalar seus galhos. Porém, naquele momento não conseguia vislumbrar nada, pois a porta estava fechada.

- Ando com muito desejo por doce atualmente. - Disse enquanto ensaboava o prato. - Dizem que é por coisas estranhas, mas eu sinto por doce! - E riu.

Eu acompanhei seu riso com um sorrisinho sem graça para não deixá-la só, porém, a ficha foi caindo vagarosamente para mim e resolvi perguntar o porque diziam que o desejo seria por coisas estranhas, normalmente, desejamos comer coisas que julgamos gostosas e não estranhas.

- Nunca ouviu dizer isso? - Perguntou enxugando as mãos no pano de prato e voltando para a mesa. - Pois é, o povo fala que desejo de grávida é sempre de coisas estranhas. E dizem coisas mesmo, porque nem sempre é por comida.

Abri minha boca para dizer algo, mas nada saiu. O que diria? Parabéns?!... Não, naquele momento meus pensamentos se aceleraram e foi como se um vendaval me varresse de dentro para fora. Clarissa ainda me encarava, já parecia não compreender minha pausa e seus olhos começavam a mostrar inquietação.

Por fim, só perguntei: - Você está grávida?
Clarissa assentiu, não mais tão alegre ao ver como meu estado havia se alterado.

- Seu pai não contou? - Perguntou calmamente, passando os dedos pelo bordado da toalha de mesa. Eu fiz que não com a cabeça. - Ele me disse que tinha contado... - Falou ela com desgosto. - Me desculpe, pensei que você soubesse... Estou grávida de três meses, você terá um irmãozinho ou irmãzinha.

- Eu... É, ele não me contou.

- Isso tudo é novo para nós, não planejavamos um bebê agora, mas Deus colocou...

- Entendi. - Me limitei a dizer ainda tentando controlar meus sentimentos espalhados pelo vendaval interno. - Acho que... - Levantei-me - vou esperar por ele lá fora, não deve demorar, né? Valeu pelo bolo. - Disse e lembro que me atrapalhei ao tentar sair da cozinha, esbarrando na cadeira e quase derrubando-a. Clarissa me acompanhou, se desculpou, pediu que eu esperasse lá dentro com ela, mas eu não conseguia, não dava.

Sentei no batente que rodeava uma árvore na calçada, suas raízes já estragavam o piso ao se sobressairem. O que eu sentia era que estava sendo trocada ou substituída, como se não fosse mais suficiente para meu pai e ele precisasse preencher o espaço que Alice não preenchia mais com uma nova esposa, novos filhos. E o pior, quanto mais esse pensamento me invadia, mais tola e idiota me sentia por ele. Sentia que meu papel ali era entender a situação e não me comportar como seu eu fosse o centro de tudo, mas não conseguia, queria sentir meu remorso por todas aquelas mudanças que estavam invadindo minha vida e a de minha mãe...

Minha mãe, tadinha, provavelmente iria sofrer ainda mais com aquela notícia, saber que seu ex-marido se refazia tão rapidamente do divórcio, já estando com nova parceira e até filho.

Meu pai não demorou a chegar, acredito que não tinha nem se passado cinco minutos que eu estava na calçada quando seu carro parou próximo ao meio fio, raspando os galhos da árvore baixa nos vidros das portas.

Ele já chegou se desculpando pela demora, depois se desculpou porque tinha se esquecido de me contar que eu ganharia um irmão. Eu fingi que estava tudo bem, me controlei ao máximo para não fazer nenhuma cena ou agir como uma garota mimada que se sentia substituída. Então nós conversamos, Clarissa parecia aliviada pela minha boa aparência, devia pensar que eu tinha apenas levado um susto. Sai daquela visita com duas coisas: um sentimento de confusão e a assinatura de meu pai permitindo minha viajem ao Piauí.

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Como  ̶N̶ã̶o̶  Se Apaixonar Pelo ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora