caçar ou ser caçado

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Deitada na penumbra de seu quarto iluminado apenas pela luz refletida da Lua, Eva encarava o teto, acompanhando as deformadas sombras das aves que passavam pela janela dançarem ali.

Estava cansada, porém não conseguia dormir. Não quando sabia que haviam pessoas não tão confiáveis assim bem próximos de si. 

Não que não confiasse em Gael, em partes confiava, principalmente por a ter salvo e a carregado naquele dia, entretanto era alguém de instintos e seu inconsciente a fazia manter um pé atrás. 

Enquanto não houvesse problemas se manteria a parte, não havia motivos para agir, contudo, se seus instintos estivessem certos não iria se decepcionar ou frustrar com alguma traição. 

Já estava preparada totalmente para aquilo. 

Além de Íris os ter seguido e aparentemente ainda estar ali. Podia ouvir as rodinhas de seu sapato deslizando pelos corredores e sua voz cantarolando a mesma música em loop, como se fosse algum mantra. 

Também podia ouvi-la falando algo sozinha, fórmulas e contas que não lhe pareciam fazer qualquer sentido. A de longos cabelos parecia ter uma energia infindável e frenética e só de passar poucos minutos próximo a ela, Eva já sentia seu corpo e mente exaustos. 

Como poderia descansar dessa forma se seus instintos pareciam gritar em seu interior para ficar desperta? Mesmo que seus olhos pesassem para fechar, logo reabriam a qualquer mínimo barulho. 

Toda vez que ouvia as rodinhas se arrastando próximo da porta, Eva prendia a respiração como uma forma de fingir que não estava ali e aparentemente havia funcionado, já que o som se afastava em seguida. 

Suas mãos repousaram sobre seus olhos, os esfregando e bocejando na sequência. Sua cabeça parecia pulsar e havia sentido a parte de trás arder com um corte na região, além de sentir uma leve protuberância no local devido a queda de mais cedo. 

Realmente havia sido um dia azarado para a de madeixas azuis, a dor em seu corpo e as feridas que ainda demorariam para cicatrizar possivelmente a atrapalhariam na luta da noite seguinte. 

Não que isso fosse um grande indício de que perderia, mas não gostava de dar tanta vantagem assim para seus inimigos ou de parecer fraca antes de começar. 

Lutar estava em seu sangue e o choque de adrenalina de uma boa briga a fazia se sentir viva e como se fosse capaz de tudo. Também gostava da sensação de sobrepor sua força sobre alguém que a julgava inferior fisicamente, era como pegar o único doce saboroso e ver os outros ficarem sem. 

Sua família de sangue era composta por gerações de lutadores, todos sem excessão eram homens. Ela havia sido a primeira mulher de seu sangue a pisar no Éden, ou melhor, no ringue e provar do fruto proibido que era matar ou morrer. 

Talvez vivesse em algum tipo de paraíso se não a tivesse provado, mas não se arrependia, não quando no purgatório podia decidir sua própria vida. 

As pessoas fracas não podem escolher onde morrer e, por esse motivo, Eva queria escolher onde daria seu último suspiro, queria ser forte o suficiente para decidir até mesmo sua morte. Desejava uma que fosse gloriosa, em batalha como uma verdadeira guerreira. 

O som das rodinhas se aproximando e parando em frente a sua porta a fez novamente prender a respiração e fechar os olhos. As batidas seguidas e ritmadas foram a princípio ignoradas, mas a constância acabou por fazê-la desistir. 

Se levantou da cama com a adaga em mãos, não podia baixar a guarda naquele momento, e chegou até a porta, destravando o trinco e abrindo a madeira lentamente. 

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