A escuridão aos poucos se desfez e Matteo abriu os olhos um tanto zonzo pela forte batida contra a parede. Podia sentir todos os cortes e perfurações arderem por todo seu corpo e seu olhar vagueava perdido, tentando se fixar em algo que podia lhe dar estabilidade.
— Matteo... Você está bem? Sabe onde está? — questionou Gael ao notar as orbes do outro se fazerem presentes.
— Gael... Eu... Bem é uma palavra muito forte para como eu estou agora — respondeu levando a mão para sua cabeça, sentindo a umidade do sangue escorrer em seus dedos e umidecer seus fios grossos. — Estamos na base do Tengu... — E como se uma luz se acendesse em sua mente, ele começou a olhar ao redor em busca do recém citado, vendo-o caído no chão, os membros cortados de seu tronco, assim como sua cabeça e uma enorme poça de sangue em seu entorno. — Você... Fez isso? Quanto tempo eu fiquei apagado?
— Foi, não deveria? Menos de um minuto. Quando entrei você já estava prestes a desmaiar.
— Você... O matou em menos de um minuto?
— Foi... Eu fiz errado? Deveria tê-lo mantido vivo? — perguntou, sua voz soando séria e impassível. — Achei que esse seria o jeito mais fácil e rápido de te proteger...
— Não... Não fez, eu só... Fiquei impressionado... Não é tão fácil usar uma espada e você usou duas como se já as dominasse... Em uma luta contra o Tengu...
"Alguém que ele nunca chegou a derrotar completamente", complementou em sua mente, seu olhar voltando a recair em Tengu e relembrando o quanto aquele confronto havia sido complicado para si, tanto pela velocidade quanto pela distância.
O outro era de longe alguém extremamente habilidoso e nem mesmo um espadachim que treinara por anos chegava ao patamar e ao nível de Tengu, tanto pela agilidade quanto pela precisão e força dos movimentos.
Era assustador, positiva e negativamente, saber que Gael o derrotara, mesmo sem ter qualquer instrução de como manejá-las. Matteo não havia despendido seu tempo para ensiná-lo, não que soubesse o suficiente para que pudesse enfrentar Tengu de igual para igual com as lâminas, e o fato de ter feito aquilo sozinho e em um curto período de tempo era assombroso.
Até onde chegavam as habilidades de luta do maior? Até onde ia sua noção de batalha? Até que ponto Gael poderia chegar em uma guerra se fosse preciso? Quantos poderia enfrentar? Quantos poderia matar?
E tinha outro porém: não havia remorso em seu olhar, apesar de nunca demonstrar sentimentos, era como se Tengu não fosse algo humano para si, ou fosse irrelevante, insignificante, a ponto de sua morte não causar qualquer efeito.
Matteo se lembrava da primeira pessoa que havia matado em sua vida e o quanto aquilo o impactou, de suas mãos tremendo em um nervosismo desesperado, as lágrimas se misturando ao sangue em suas mãos... Apesar de muitos outros terem tido seu fim consigo, ainda assim sentia o peso da morte recair em seus ombros.
E ter a quase certeza de que tal fato não pesava nem um pouco para Gael só aumentava seu assombro. Ele seria capaz de matá-lo sem qualquer remorso se precisasse ou quisesse?
Mesmo que naquele momento o maior estivesse ao seu lado, não podia garantir que permanecesse assim para sempre.
— Vamos andando... Precisamos encontrar Eva e Íris — pontuou Matteo após um longo tempo em silêncio dentro de seus pensamentos. Em seguida, se levantou cambaleante, seu corpo tombando para o lado quando sua perna ferida falhou.
— Eu te carrego — afirmou colocando seus braços pelo corpo menor e o deixando sobre seu ombro.
— Espera, eu posso andar — disse o menor, seu rosto se chocando contra as costas duras do outro ao ser colocado sobre seus ombros como um saco de batatas.
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inafetivo
Ciencia FicciónNaquele mundo em que sobreviver era a lei, os afetos são esquecidos e abandonados desde o berço. Amar se torna um peso, algo difícil de se carregar, uma cruz a qual poucos conseguem lidar. A guerra, a morte e a violência se encontram em cada esquin...