Então me mostre

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A água fria caia em gotas grossas e espaçadas contra a pele quente e bronzeada, a única mão boa esfregando o corpo com certa intensidade, tentando limpar todos os resquícios daquela, que para si fora longa, noite.

O sabão espumando contra a epiderme não apagava ou diminuia as manchas avermelhadas pelo seu tronco e também não apagavam os toques, nem as palavras trocadas.

"Está fungindo de mim, rapaz?", foi a primeira coisa que Tengu o havia perguntado após saírem da sala e se perderem na multidão. "Por que deveria? Acaso acha que não posso lidar com o perigo? Não deveria subestimar quem mal conhece", fora a resposta atravessada que dera, o cinismo e o sarcasmo envolvendo cada palavra em uma provocação crua e mordaz.

Depois disso veio a risada alta, e o sorriso fácil e insinuante, seguido de mais provocações que gradualmente fizeram seus lábios se chocarem em uma clara competição pela dominância. Aquela luta travada pelos seus lábios e línguas, os dedos pressionando a carne como uma forma de demonstrar poder.

"E por acaso você é tudo isso para não me temer?", jogou o mais velho no meio daquela insinuante troca de provocações. "Quer que eu te prove, Tengu? Aves são o meu prato favorito, por que deveria te temer?".

A mão do moreno esfregou o rosto com certa intensidade, passando pela boca e em seguida ergueu a face, abrindo os lábios e deixando a água com gosto ferroso se acumular até que fosse o suficiente para bochechar e cuspir o líquido contra o chão como se assim pudesse limpar sua cavidade.

Mesmo assim o gosto alheio ainda parecia impregnado em sua boca, dominando cada parte.

Quando desligou a água, se secou, esfregando a toalha com afinco contra sua pele. Não estava com raiva, afinal, ele havia escolhido estar naquela missão, decidido sozinho tomar a dianteira e encaminhar as coisas para aquele ponto, apenas queria arrancar de sua memória aquela noite.

Não era ele ali, não era Matteo, mas também não era Kitsune, não era alguém que ele queria ser. Não com Tengu, por isso não lhe dera seu nome, muito menos seu codinome. Era alguém que ele não sabia nomear, mas também não via necessidade já que não mais existia dentro de si.

O moreno seguiu para o quarto, encarando-se no pequeno espelho, as marcas pareciam ainda mais realçadas pelo reflexo. Sua mão passou por seu rosto e desceu pelo pescoço, o cansaço ficando evidente com seu toque contra seus músculos.

Sua mente parecia um pouco longe naquele momento, pensando em qualquer outra coisa que não fosse tudo o que ocorrera na festa, seus corpos se chocando sobre o sofá da sala, a música ecoando abafada suprimia qualquer barulho ou provocação e não se preocupou em gentilezas. Era Tengu ali e Matteo tinha a noção que já não era a si próprio ali, era seu corpo, mas com um alguém inventado para existir por poucas horas.

O som dos passos ritmados se aproximou de onde estava e Matteo voltou a realidade, notando pelo reflexo que não havia colocado roupa alguma durante suas divagações. Logo se punha a vestir a primeira bermuda que encontrara largada no chão e teria pego uma blusa qualquer se a porta não abrisse assim que terminara de ajeitar a bermuda em seu corpo.

- O que faz aqui? Já está tarde - comentou Matteo ao notar a presença de Gael ali, já tinha noção que se tratava dele pelo barulho dos passos, eles eram sempre iguais a menos que estivesse caminhando com alguém, nesse caso parecia ter o cuidado para alterar o ritmo para acompanhar a pessoa.

- Vim ver como estava. Você sumiu por boa parte da noite, não está machucado? - O maior entrou no quarto e encostou a porta ao ver Matteo indicar com a mão para que o fizesse.

- Estou bem, não me machuquei, só... Precisei de um tempo maior do que o esperado para resolver... - O moreno desviou levemente o olhar, sentindo-se estranho em lhe sustentar o olhar depois de tudo o que fizera e dissera naquela noite. - Aconteceu algo com você depois que eu sai?

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