O homem ruivo de baixa estatura encarou Matteo por alguns segundos, rindo alto em seguida, sua cabeça balançou para os lados negativamente enquanto mantinha o sorriso no rosto.
— Você fica cada vez mais observador com o passar do tempo, Kitsune — comentou, sua mão fazendo um pequeno aceno para que o seguisse. — Chame suas amigas, temos um longo caminho pela frente.
— Karasu, Íris, hora de ir — anunciou Matteo em voz alta e logo a rosada aparecia por entre os objetos praticamente arrastando a outra pela mão.
— Para onde vamos? — perguntou Gael assim que o homem de baixa estatura passou por si, seguindo em direção as escadas.
— Para Asakusa — pontuou Jinzo tomando totalmente a frente do grupo e subindo as escadas.
— Asakusa? Onde fica?
— É um bairro comercial que fica na parte central do Leste — respondeu Matteo, seus pés acompanhando o homem baixo e seu rosto se virando para os outros três. — Tentem ficar juntos quando chegarmos lá, é fácil se perder naquele lugar.
— Passeio — comemorou a Íris, seus pés deslizando com facilidade pelo local. — Podemos fazer compras?
— Não acho que teremos tempo para compras — pontuou Eva, sua mão segurando a da menor e a puxando para trás. — Vai mais devagar, meus sapatos não tem rodas como os seus.
— Ah, foi mal. — A mulher de madeixas rosadas deu uma risada empolgada e parou de usar as rodinhas, caminhando normalmente ao lado da maior. — Sempre me esqueço desse detalhe.
— Vocês dois nunca foram para Asakusa, não é? São de onde? — Quis saber Jinzo, a escada rangendo levemente conforme subia os degraus.
— Eu sou do Centro — pontuou Íris, logo se adiantando em completar: — Ele também.
— Do Centro, hm... Então já viram alguém do alto por lá? Dizem que é a única região que tem contato e entrada para a cidade alta.
— Já, eles são bem... Memoráveis e facilmente reconhecidos pelas roupas e máscaras, parecem brilhar sozinhos — explicou Íris acompanhando o passo dos demais para fora da casa, srguindo pelas ruas de Unova.
— Quem sabe um dia não visite o Centro para entender do que está falando — mencionou Jinzo dando uma baixa risada. — Sempre tem um receio de ir para outras regiões.
— Por quê? Há algo de errado em ir para outros lugares? — Quis saber Gael, seu olhar recaindo sobre o homem ruivo.
— Apenas boatos de que em outras regiões há um certo rancor mal resolvido com o Leste... Nossa história foi marcada por muitas guerras civis e algumas tentativas de independência do Leste das outras regiões, apesar de todas terem sido infrutíferas — explicou o homem, guiando-os pelas ruas decrépitas e sinuosas. — Por isso, poucos se arriscam a deixar esse lugar.
— Por que está nos contando isso agora? — questionou Eva depois de um tempo em silêncio pós-explicação.
— Por nada em especial, apenas conversa de velho para puxar assunto — falou o ruivo dando uma gargalhada mais alta. — Ficar solitário na loja me deixa falante quando recebo visitas.
— Ainda tem alguns movimentos separatistas pelo Leste... Sinceramente acho uma perda de tempo e energia — expôs Matteo dando um leve chute em um pedregulho em sua frente. — Nos separarmos para ficar mais fácil de controlar... Os do alto que se beneficiam dessa idiotice.
— Se todos os jovens pensassem assim... Certamente as coisas estariam bem diferentes por aqui — pontuou Jinzo, seu olhar seguindo para as ruas que pouco a pouco começavam a ficar mais movimentadas. — Mas desde o princípio os separatistas são difíceis de lidar.
— E por que querem separar? — Gael se adiantou para o lado de Matteo, acompanhando os passos apressados dele.
— O ponto principal é o porto, a costa do Leste dá direto para o mar e separar das demais regiões garantiria uma taxa de impostos para a exportação por vias marítimas. — Jinzo virou o corpo em direção aos mais novos, andando tranquilamente de costas por alguns instantes enquanto explicava a situação.
— A miséria é a arma mais poderosa dos conquistadores... O que os separatistas não percebem é que todas essas guerras internas nos enfraquecem e nos separar tornaria mais fácil para que os do alto tomassem o controle do porto e usassem como um ponto estratégico para guerras contra outros países — afirmou Matteo, sua mão segurando a de Gael ao notar a quantidade de pessoas aumentar. — Estamos perto de Asakusa, não se separem por nada.
Íris concordou com a afirmação e logo segurava na mão do homem mais alto e de Eva ao seu lado, aos poucos o grupo se embrenhava pela multidão que crescia mais e mais. As vozes gritando, conversando, brigando e negociando se tornavam mais e mais altas, envolvendo-os naquela confusão sonora. As pessoas passavam de um lado para o outro, esbarrando por eles, quase os arrastando para caminhos diferentes.
— É sempre assim por aqui? — Íris se desviou de uma das pessoas, enquanto seu olhar seguia pelas barracas e produtos ofertados, havia de tudo ali, desde alimentos até armas e medicamentos vencidos.
— Sim, por isso, não se soltem ou serão arrastados para outro lugar — reiterou Matteo, seguindo o homem de baixa estatura pelo local.
Jinzo virou em uma pequena viela que passaria quase despercebida já que haviam duas barracas bem em frente, escondendo sua entrada. Em seguida virou mais algumas ruas a frente até que chegassem em um beco sem saída.
— Chegamos.
— Chegamos? Aqui não tem nada além dessa parede — comentou Eva se aproximando do local, tocando para ver se havia qualquer dispositivo que a fizesse se mover.
— Nunca disse que entrariamos por aí — disse Jinzo enquanto se abaixava e retirava a tampa do esgoto, arrastando-a para o lado. — É por aqui.
— Mais uma vez vamos nos enfiar no esgoto por causa de Han'yo — murmurou Eva logo se adiantando para descer, mas parou ao ver que o homem não dera um passo para imitá-la. — Você não vai na frente?
— Esse é o máximo que os acompanharei, não posso deixar a loja sozinha por tanto tempo. Sabem como é, quando o gato não está, os ratos fazem a festa — falou rindo divertido. — Ficarei aqui para fechar a entrada.
Eva o encarou desconfiada, entretanto, Íris e Gael já haviam ido em frente, descendo pela escada. Logo a mulher também descia.
— Não deveria ficar me testando assim — disse Matteo assim que os três já haviam descido o suficiente. — Você nos contaria de qualquer forma onde ela estava.
— É claro que contaria, afinal, Han'yo sabia que viriam atrás dela, mas não podia deixar a oportunidade passar batido. Você sempre me surpreende com sua astúcia e percepção, digno de uma raposa.
— Nos vemos por aí, Jinzo — respondeu Matteo, seguindo para a escada e descendo. — Dá próxima, tente não deixar seu testa tão óbvio.
Jinzo gargalhou mais ainda com aquele comentário ácido e de pura provocação, esperando o mais novo descer para finalmente fechar a entrada do esgoto e seguir seu caminho de volta.
Matteo chegou ao fundo do esgoto e seguiu em frente com os outros três logo atrás de si. Havia uma parede do lado da escada e a região por onde deveria escorrer a água do esgoto estava vazia.
O grupo seguiu pelo caminho vazio até que encontrassem uma portinhola e a ergueram, descendo mais um lance de escadas até chegarem ao que parecia ser uma antiga base militar.
— Que lugar é esse? Parece enorme — comentou Íris girando e olhando tudo o que podia.
— Essa é uma das antigas bases secretas usadas pelos anti-separatistas — explicou a voz de Han'yo vinda de um dos corredores, sendo acompanhado pelo som dos passos pesados.
— Han'yo, não havia um lugar mais fácil para se esconder? — falou Matteo retirando sua máscara, deixando-a sobre sua cabeça. — Você está bem? Vimos o que aconteceu no bar.
— Estou bem, já estava por aqui quando a explosão aconteceu.
— Você já sabia que o lugar seria explodido? — supôs Íris encarando o lugar vazio ao redor, a luz fraca piscando intermitentemente.
— Claro, já imaginava que os remanescentes de Ushi-oni viessem atrás de mim por sua cabeça.
— Você sabe que foi Inugami quem explodiu o lugar, não é?
— Sei que foi ele, Kitty, mas ele é meu filho, sei que teve seus motivos para explodi-lo, afinal, se quisesse me matar, ele o teria feito junto a explosão.
Matteo franziu o cenho para o apelido e cruzou os braços, bufando baixo com a informação, mas pensou a respeito do que ela dissera.
— Vocês velhos sempre confiam demais em suas "proles" — falou Matteo, seus pés se encaminhando pelo lugar.
— Você sabia que ele explodiria o bar? Por isso veio para cá antes da explosão?
Han'yo não respondeu o homem mais alto do grupo, apenas apontou para o canto da base onde um enorme cachorro preto dormia tranquilamente na escuridão, a cabeça apoiada nas patas grandes.
— E, então, o que vieram me perguntar além disso?
— Eles têm algumas perguntas sobre a sua música favorita — afirmou Matteo apontando para Íris e Gael e, em seguida, se dirigindo até o cachorro, abaixando-se e sentando ao seu lado enquanto acariciava seus pelos negros.
— Na verdade, eu me lembrei de algo de minha infância e parece ter alguma relação com a música que tocou no bar da outra vez.
— Mesmo? Que nostálgico, conheci essa música na minha infância com um filme homônimo... Bons tempos... Por que não me conta do que se lembrou?
Eva se dirigiu para onde Matteo estava e se sentou também, cruzando os braços e fechando os olhos, enquanto Gael repetia a história que contara para eles mais uma vez.
— No Centro essa canção ficou muito popular por causa de um homem que dizia lembrar da esposa e do filho ao ouvi-la. Você sabe algo sobre ele? — questionou Íris assim que Gael terminou seu relato e Han'yo ficou pensativa, como se processasse todas aquelas informações.
— No Centro? Então, vocês dois vieram de lá? — Han'yo sorriu gentil e se aproximou dos dois, bagunçando-lhes os cabelos de forma maternal. — Como esse homem se chamava?
— Tanuki... Você o conhece?
— Vocês vieram aqui por que acham que eu sou a mulher que ele falou?
— Basicamente — concordou Íris, o que fez a enorme mulher rir divertida. — Quer dizer, não conhecemos mais ninguém que se enquadraria nos requisitos além de você.
— Tem algo sobre mim que nenhum de vocês sabem ainda — comentou Han'yo. — Eu não dei a luz ao Inugami, apesar dele ser meu filho de sangue.
— Ah... Então você... — falou Íris, as informações se juntando em sua mente.
— Não nasci uma mulher? Sim, é exatamente isso.
— Então, você não sabe nada sobre Tanuki? — perguntou Gael, sua mente tentando assimilar as novas informações com as antigas e já assentadas em sua mente.
— Pelo contrário, o conheci há muitos anos atrás — pontuou Han'yo se afastando levemente dos dois, olhando para o teto como se pensasse em como começar aquilo. — Quando ainda era visto e agia como um homem, passei um bom tempo nesse lugar em que estamos agora, junto a mãe de Inugami. Faziamos parte da guerrilha anti-separatista e Tanuki era um separatista...
Os dois que estavam mais atentos ao que a mulher contava assentiram, incentivando-a a continuar sua história.
— Por algum motivo ele se apegou a minha esposa e começou a persegui-la, criando mentiras sobre Inugami ser seu filho... Foi uma época de guerra intensa e muitos separatistas se esconderam e fugiram do Leste por um tempo, se exilando. Acredito que foi ai que ele foi para o Centro.
— O clichê no entorno da música era apenas uma grande mentira? — comentou Eva abrindo um dos olhos ao ouvir a última parte da conversa.
— Exatamente... Ele não era alguém muito bom da cabeça e, enquanto ele esteve exilado, foram os anos mais calmos de nossas vidas, até mesmo pude me assumir como uma mulher e passar por todo o processo de transição... — explicou Han'yo, sua voz se tornando fraca e hesitante ao final de sua fala, como se estivesse receosa de continuar.
— Mas ele voltou, não é? — supôs Matteo, sua atenção voltada para o cachorro que passara a deitar a cabeça sobre sua coxa.
— Foi... Ele voltou para o Leste quando Inugami ainda era criança e... Enlouqueceu ao nos reencontrar... Se eu soubesse que algo ruim aconteceria com a volta dele... Nunca teria deixado os dois saírem sozinhos para Asakusa.
Os quatro permaneceram em silêncio após aquela fala, cada um processando a sua forma o que Han'yo dissera, tomando suas próprias suposições a partir daquilo.
— O que aconteceu quando ele voltou? — Quis saber Gael, estranhando aquele silêncio dos demais.
— Ele matou minha esposa em um surto... E Inugami estava com ela...
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inafetivo
Science-FictionNaquele mundo em que sobreviver era a lei, os afetos são esquecidos e abandonados desde o berço. Amar se torna um peso, algo difícil de se carregar, uma cruz a qual poucos conseguem lidar. A guerra, a morte e a violência se encontram em cada esquin...