Depois de passarem pela fronteira e adentrarem cada vez mais no Norte, o clima pareceu piorar a cada passo que davam, ficando mais e mais frio até que as roupas que usavam não fossem o suficiente para manter o calor de seus corpos e tivessem que se abraçar enquanto caminhavam e tremiam, exceto por Gael que seguia sem qualquer problema.
— Que frio — reclamou Eva, seu corpo se encolhendo ao sentir um vento mais gélido passar por sua pele. — Falta muito para chegarmos?
— Um pouco, mais uns dez minutos de caminhada — respondeu Íris se recostando contra a outra mulher para se aquecer.
A de madeixas azuis soltou um grunhido baixo e afirmativo, seu braço envolveu os ombros de Íris e a trouxe para mais perto, apenas como uma forma de se aquecer também, é claro. Ou era isso o que dizia em sua mente para tentar arranjar uma desculpa para fazê-lo.
— Eu também estou com frio, Íris — choramingou Yatagarasu, se aproximando com os braços levemente abertos para se embrenhar naquele abraço.
Eva bufou irritada quando a de longas madeixas se infiltrou entre elas, mas não deixou de aceitá-la, de certa forma, naquele abraço para se aquecerem em meio a neve que caia.
— Tentem não tropeçar andando assim — comentou Matteo se abraçando, tentando puxar os panos de suas roupas para se cobrir mais ainda, em seguida, olhou para Gael que estava tranquilo e apático como sempre, inafetado pelo clima. — Não sente nem um pouco de frio? Nem um tiquinho?
— Na verdade, sinto bem fraco nas juntas, mas nada que faça muita diferença — disse Gael olhando ao redor e vendo as três mulheres abraçadas, notando que Matteo fazia o mesmo consigo próprio. — Você quer andar assim também?
— Se você quiser — pontuou Matteo desviando levemente o olhar para o alto, sentindo os flocos caírem contra seu rosto. — Você não sente a neve contra sua pele? — Gael negou e se aproximou, deixando seus braços envolverem o rapaz mais baixo. — Hm... Já sei, você sente por dentro, não é? Se ficar assim deve sentir na língua — afirmou Matteo erguendo o rosto e abrindo a boca para mostrar do que estava falando.
Gael o imitou e deixou alguns flocos caírem contra sua língua, fechando a boca em seguida ao sentir o gelado tocar seu músculo úmido, o gelo se dissolvendo pelo contato.
Tal fato fez Matteo rir alto, mas quando riu, o vento gelado entrou por sua garganta e ele tossiu, seu corpo estremecendo e se encolhendo contra o de Gael.
— Engasgou com floquinho do nada foi? — provocou Eva virando levemente o rosto. — Está ficando mole, Kitsune.
— Quer ver algo duro por acaso? — Rebateu Matteo, abaixando-se e pegando um punhado de neve, jogando na cabeça da outra. — Vê se está duro o suficiente para você.
— Que frio do caralho — reclamou Eva sentindo a neve se embrenhar em seus cabelos e o vento gelado trazer arrepios para seu corpo. — Sua vez vai chegar, espera só.
— Devo esperar sentado? — replicou em pura provocação e cinismo, o que fez Eva grunhir e a contragosto desfazer o abraço para apanhar neve e lançar contra a cara de Matteo.
— Nem precisou esperar tanto — rebateu pegando mais um monte de neve.
Matteo limpou o rosto e deu a volta em Gael ficando escondido atrás dele, impedindo que Eva lhe atingisse com a bola esbranquiçada.
— Não vale ficar se escondendo assim, virou covarde? — provocou a mulher, tentando dar a volta para acertá-lo, mas Matteo seguia pelo lado contrário, mantendo-os separados por um Gael de distância.
Eva estava prestes a correr quando sentiu algo gelado bater contra sua nuca e um grito assustado pelo contato escapou de seus lábios, seus olhos percorreram o local até encontrar Yatagarasu rindo enquanto enchia suas mãos com neve.
Eva então voltou sua atenção para a outra mulher, jogando a bola em sua direção, a qual se desviou com facilidade e logo uma guerra se iniciava ali.
A neve voava de um lado para o outro e, quando menos esperavam, os cinco já estavam envolvidos naquilo. Seus corpos já não tremiam de frio, afinal, corriam um atrás do outro tacando bolas, avançando pela região, rindo e trocando provocações e piadas durante o trajeto.
— Chegamos — anunciou Íris assim que pararam em frente a uma casa de aparência comum, não parecia tão abandonada ou destruída quanto as do Leste, mas também não aparentavam uma estrutura bem planejada.
— Aqui é uma base secreta? Ou algo assim? Parece uma casa qualquer — comentou Eva se aproximando da porta, sua mão pronta para bater contra a madeira, mas Íris a puxou para trás e quando o fez uma saraivada de tiros se seguiu em uma linha reta rente a porta.
— Tem um sistema de segurança em todo o entorno, Hermodr não as desativou ainda então tomem cuidado onde pisam — mencionou Íris. — E aqui é uma casa qualquer, é onde ele mora.
— Seja quem for, se veio aqui brigar esteja pronto para sair sem vida — afirmou uma voz grossa e um tanto rouca do lado de dentro da casa, a porta se abriu em um baque alto e rápido e uma submetralhadora surgiu junto a figura de um homem alto e corpulento, os cabelos platinados, quase brancos, e longos presos no alto da cabeça. — Ah, Íris, é você, achei que chegariam de manhã.
— Chegamos mais rápido do que o esperado — comentou Íris segurando Eva pela mão e a puxou para entrarem na casa. — Tem algo quente para comermos? Estou com fome e frio.
— Vou esquentar algo para comerem... Espera, tem um a mais do que me disse que viria... — mencionou Hermodr, seu dedo indicador apontando para cada um deles como se os contasse. — A corva de cabelos azuis, esse deve ser a raposa e aquele o gato... E quem é a outra mulher?
— Tão esperto, tem estudado para aprender a contar tão bem assim? — brincou Íris caindo na gargalhada.
— Sempre muito engraçada, Íris... — O homem revirou os olhos em falso desdém, mas acabou por rir também. — E, então, quem é você?
— Yatagarasu, mas os íntimos chamam de Ya, fique a vontade se quiser me chamar assim também — explicou a mulher morena abrindo um sorriso de lado e insinuante, seu olhar passando rapidamente pelo outro. — Vim de brinde só para você.
O homem arregalou os olhos pela surpresa inesperada do último comentário, tossindo e virando levemente o rosto para controlar aquela sensação de embaraço que surgiu em si.
— Onde arranjou essa mulher atirada? — perguntou Hermodr, seu olhar se dirigindo para os três que ainda estavam do lado de fora. — Entrem, vocês chegarem em uma das noites mais frias do ano.
— Não precisa ficar tímido, eu não mordo, mas se quiser posso bicar — expôs Yatagarasu entrando na casa e dando uma piscadinha antes de rir divertida.
— Depois você se acostuma — consolou Matteo depois de entrar acompanhado de Gael. — Obrigado por nos deixar entrar.
— Tímido? Você só me pegou de surpresa, nada além disso. Prefiro mulheres que mordem — retrucou o homem, seu olhar provocativo seguindo para os da morena. — Fiquem à vontade, se são pessoas que a Íris confia são bem-vindos. A lareira está acessa, podem ficar lá para se aquecerem.
Hermodr indicou a porta para o cômodo seguinte e o grupo seguiu para lá, se acomodando ao redor da lareira improvisada. O fogo crepitando contra a madeira começava a aquecer seus corpos gelados.
[...]
O homem do Norte voltou para o cômodo com uma enorme garrafa de líquido transparente e alguns copos em suas mãos, em seguida colocou um em frente a cada um e os encheu, encarando-os logo em seguida. Todos estavam sentados no chão com mantas sobre seus corpos e em frente a lareira crepitante.
— Essa é a forma mais barata de nos aquecermos por aqui — pontuou o homem deixando a garrafa de lado e pegando um dos copos. — Bebam o quanto quiserem, tem mais de onde essa belezinha veio.
— Finalmente estamos falando a mesma língua — comentou Matteo segurando o copo e entornando todo o conteúdo para sua garganta, sentindo o calor se alastrar por todo seu corpo.
Eva também pegou seu copo e o virou para sua boca, franzindo o cenho levemente ao sentir o gosto forte e bem marcado do álcool descendo, entretanto, o sabor só a fez findar a bebida e estender a mão para que enchesse novamente.
— Isso foi rápido... Já são verdadeiros nortistas — disse o homem rindo e enchendo novamente o copo de ambos.
— Vocês bebem isso sempre? É bem forte — comentou Yatagarasu dando um breve gole.
— É claro que é forte, tem um teor alcoólico de 96%, mas se for demais para você posso ver outra coisa mais fraca, quem sabe uma água ou um leite — respondeu o nortista em provocação, um sorriso insinuante deixando seus lábios pouco antes de engolir a bebida de uma só vez.
— Demais? Só estava comentando, mas aceito o leite, se for você a me dar — replicou Yatagarasu insinuando com as palavras e o olhar o teor sexual daquilo, uma risada alta deixou sua boca ao notar o homem desviar o olhar para encher novamente seu copo.
— Parece que alguém não sabe lidar quando não está no comando, fica todo envergonhadinho, que gracinha — falou Íris rindo e dando curtos goles em sua bebida.
— Eu não estou envergonhado, homens do Norte não sentem esse tipo de coisa — pontuou Hermodr virando metade da bebida e deixando o copo repousar em sua frente.
— E o que homens do Norte sentem? — questionou Gael pensando a respeito do que o outro falara.
— Homens do Norte sentem o calor de suas almas os aquecerem e a brutalidade do frio os fortalecerem — respondeu estufando o peito em orgulho. — Nada além disso.
— Só o calor das almas os aquecem? Não parece muito quente dessa forma — afirmou Yatagarasu, seu olhar seguindo pelos presentes, uma risada se prendendo em sua garganta ao ver Eva virar o seu enésimo copo e apoiar o rosto nas palmas das mãos, o rubor em suas bochechas pelo álcool começando a ficar evidente. — Calor humano deve aquecer bem mais.
— Está duvidando do calor da minha alma? — Hermodr ergueu levemente a sobrancelha, seu olhar demonstrando desafio.
— Deveria não duvidar? Só acredito vendo — rebateu Yatagarasu, seus dedos tilintando contra o copo. — Me prove o contrário, Hermodr.
O homem respirou profundamente e findou sua bebida, deixando o copo vazio ao lado da garrafa.
— Irei te provar na hora certa, Yatagarasu — replicou se levantando. — Tem três quartos aqui, então decidam com quem vão dormir essa noite.
— Posso decidir dormir com você? — questionou a mulher de longas madeixas negras, sua língua deslizando por seus lábios de forma pervers. — Já que disse para ficarmos à vontade, me sentiria à vontade dessa forma.
— Que mulher... — O homem mordeu o interior da bochecha e encarou a outra antes de responder: — Faça como quiser, um nortista nunca volta atrás com sua palavra.
— Você leva isso de homem do Norte bem a sério — pontuou Matteo desistindo de ficar enchendo e reenchendo seu copo, optando por tomar a bebida direto do gargalo. — Parece um conceito bem restrito.
— Não é um conceito, é uma escolha de vida. — Hermodr deu um pequeno sorriso ao notar que o outro parecia disposto a passar o resto da noite bebendo, assim como ele próprio. — Um homem do Norte é como a neve, pode ser macia e receptiva, mas também cruel e dura.
— Homens do Norte não parecem tudo isso — falou Eva bocejando, seus olhos pesando e piscando lentamente. — Mas algo macio e receptivo parece ótimo. — A mulher de madeixas azuis tombou levemente para o lado, até seu rosto tocar em algo de extrema maciez, esfregando-se ali enquanto fechava os olhos. — Bem assim.
Íris deu uma risada divertida e colocou sua mão sobre as madeixas azuladas, acariciando a mulher enquanto ela se ajeitava contra seus seios.
— As mulheres do Leste são sempre assim abusadas? — questionou o homem apontando para Eva e em seguida para Yatagarasu.
— Não, as mulheres do Leste são... Perigosas — comentou Matteo estendendo a garrafa para o de fios claros. — Não se deixe enganar por meia dúzia de palavras, elas podem te matar mais rápido do que imagina.
— O que quer com seus elogios, Kitsune? — murmurou Eva, seu pé se esticando e empurrando a coxa dele, seu rosto se afundou mais contra os peitos de Íris, se ajeitou para descansar, seus olhos se fecharam para não se abrir por um longo tempo.
Matteo deu uma risada daquilo e se inclinou mais para trás até deitar sobre o chão, sentindo sua cabeça repousar contra algo duro. Seus olhos seguiram para ver o que era e, ao notar que se tratava da perna de Gael, deu um pequeno sorriso e repousou sua mão sobre o local, passeando seus dedos sobre a região.
— Vocês do Leste são realmente... Diferentes — galou Hermodr em um tom sério, mas ao mesmo tempo soava como brincadeira. — O que a Íris me contou sobre vocês parece verdade, afinal... Gostei de vocês, então, sintam-se em casa enquanto estiverem por aqui.
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inafetivo
Science FictionNaquele mundo em que sobreviver era a lei, os afetos são esquecidos e abandonados desde o berço. Amar se torna um peso, algo difícil de se carregar, uma cruz a qual poucos conseguem lidar. A guerra, a morte e a violência se encontram em cada esquin...