— Eu já disse que não estou nem aí, não estou preocupada, definitivamente — reiterou Eva após ouvir a risada e a evidente expressão de descrença na face de Yatagarasu. — Não temos mais qualquer relação depois de tudo.
— Quando começou a ser tão engraçada e fazer piada assim, Zu? Parece que a presença da Yuki tem te feito bem — provocou a mulher morena dando uma gargalhada alta.
— Tenho, né? Ela parece uma nova mulher — concordou Íris se juntando a brincadeira, rindo em seguida.
— Vocês duas são muito engraçadinhas — comentou Eva revirando levemente os olhos e voltou a caminhar em direção a fronteira regional. — Parecem farinha do mesmo saco.
— É como dizem, os semelhantes se atraem e se merecem — continuou Yatagarasu, um sorriso de lado e provocativo dançando em seus lábios.
Eva fingiu ignorar aquele comentário, mas não deixou de bufar baixo, a irritação ficando evidente em si. Podia ouvir o passos dos outros a seguindo, assim como suas respirações. Sua audição se atentou mais aos barulhos ao redor, mesmo que fraco e ao longe percebia o som de uma arma sendo destravada.
Em um movimento rápido, se virou para trás e empurrou as duas mulheres assim que o som de tiro se propagou pelo ar. As três caíram no chão com Eva se apoiando com os braços para não colocar seu peso sobre as outras duas. A bala ricocheteou no lugar que antes estavam e outro som de tiro se seguiu, dessa vez próximo a eles e o baque pesado de um corpo tombando contra o chão se fez presente.
Em seguida, vieram mais dois tiros, esses acompanhados de gritos de dor antes da queda. Logo mais três tiros se seguiram e novos baques surdos vieram na sequência.
— Vocês podem se levantar — afirmou Matteo retirando o cartucho vazio de sua arma e o jogando fora, logo acoplando outro com mais 6 balas. — Não deveriam fazer tanto barulho ou vão atrair mais deles antes de cruzarmos a fronteira.
Eva se ergueu rápido e estendeu a mão para Íris, ajudando-a a levantar, em seguida olhou para Yatagarasu que estendia a mão para ser puxada para cima também. A mulher de madeixas azuis revirou os olhos e a segurou, puxando-a com firmeza para que se erguesse.
— Você sempre me dá trabalho — resmungou assim que soltou sua mão e se afastou um pouco. — Continua a mesma descuidada.
— É claro que continuo, vou mudar para que se tenho você para ficar de olho e cuidar de mim como a boa irmã mais velha que é? — comentou Yatagarasu entre risadas debochadas.
— Vocês foram bem rápidos para percebê-los. Eu nem os havia notado ainda — disse Íris olhando para os corpos caídos mais a frente, alguns munidos de snipers, rifles e espingardas.
— Já era de se imaginar que surgiriam depois da bagunça de agora pouco... Armas fazem barulho antes de atirar, é fácil localizá-las quando se está atento — pontuou Matteo colocando a arma no lugar de antes e se voltando para olhar os demais. — Vocês estão bem?
O grupo concordou e logo voltavam a seguir caminho, deixando os corpos inertes e baleados para trás, mas antes de passarem pelo último caído, Matteo parou e pegou uma das snipers que estava no chão.
— Vamos nos separar aqui. Encontro vocês do outro lado da fronteira.
— Espera, eu vou com você — pontuou Gael fazendo menção de acompanhá-lo.
— Vá com elas, eu só vou abrir caminho, então... Não se preocupe comigo, vou ficar bem — afirmou Matteo, encarando Gael por alguns segundos antes de desviar sua atenção para Eva. — Sigam em frente de forma discreta e espere meu sinal para avançar.
— 'Tá, mas se algo acontecer antes disso não pretendo seguir discretamente e sem brigar.
— Não faça nada que eu não faria.
— Você torna tudo tão difícil de seguir... — replicou Eva, seus dedos acionando e desacionando a adaga em seu punho inglês. — Nos vemos depois.
Matteo assentiu e seguiu pela viela lateral, deixando o pequeno grupo que manteve o caminho que seguiam antes. Pouco a pouco as coisas pareciam mais silenciosas, como se o mundo estivesse a espreita, apenas esperando para atacar.
Eva acenou para que caminhassem próximos as paredes, escondendo-se nas sombras, já era possível ver a muralha gigantesca que separava as duas regiões. A entrada estava repleta de guardas uniformizados e armados, além de ter duas cabines sobre os muros por onde saiam feixes de luz e era possível observar que haviam mais guardas ali dentro.
O quarteto esperou escostado em uma das casas de esquina, mantendo a visão da fronteira, ao mesmo tempo em que passavam despercebidos. O som do vidro se quebrando se fez presente e uma das luzes se apagou.
— O que foi isso? — questionou um dos guardas que estava na parte baixa do muro, sua mão pegou o pequeno aparelho de comunicação e mandou pequenos bipes de alerta, tentando algum sinal com os guardas da cabine, entretanto, não teve resposta. — Estamos sendo atacados, se preparem para contr...
O homem nem ao menos teve tempo de terminar sua frase, pois uma bala certeira cruzou seu crânio e seu corpo caiu inerte e sem vida no chão. Os demais guardas tomaram seus postos e começaram a procurar de onde viera o ataque.
Eva colocou seu braço em frente a Íris, a escontando contra a parede ao notar um dos guardas se aproximando de onde estavam. Sua mão livre estava prestes a pegar o guarda e lhe derrubar quando ele caiu bem em sua frente, a pequena perfuração de bala em seu peito sangrando e manchando o chão, encharcando de sangue aquele trecho da rua.
Os guardas da fronteira seguiam de um lado para o outro e alguns já começavam a disparar desenfreados, tentando achar o causador daquilo.
Pouco a pouco caiam inertes contra o chão, manchando todo o local com os respingos avermelhados até que não sobrasse nenhum com vida para relatar o ocorrido.
— Devemos seguir agora? — perguntou Gael após longos segundos em silêncio escondidos nas sombras.
— Espere mais um pouco, ele não deu o sinal ainda — avisou Eva enquanto encarava o portão de entrada, em seguida viu uma enorme explosão levar abaixo aquela parte e acenou para que a seguissem. — Agora sim, vamos.
O grupo rapidamente saiu nas sombras e correu em direção ao portão destruído. Eva fora a primeira a passar pelo muro arrebentado, entretanto, quando o fez, sentiu alguém segurar seu pulso e o girar para trás, prendendo um metal gelido em seu entorno, em seguida, passando no outro pulso e a derrubando no chão.
— Parados aí, ou a amiga de vocês já era — afirmou o guarda fardado, a sniper apontada para a cabeça da mulher. — Mãos ao alto, se rendam e podemos resolver isso pacificamente.
— Não era para ter guardas entre os muros — comentou Yatagarasu olhando mais adiante o outro muro que separava as duas regiões, deixando um espaço vazio entre os dois.
— Que azar o de vocês — falou o guarda pegando outra algema e a prendendo no braço de Yatagarasu, em seguida, o colocou para trás e prendeu o seguinte.
O processo foi feito com os outros dois que pareciam estranhamente calmos com a situação.
— Andem, vou levá-los para a prisão por infringir as normas — avisou segurando as correntes da algema de Eva e a levando na frente, dessa vez deixando a sniper em suas costas e mantendo um revólver em sua têmpora. — Espero que vocês três não tentem nenhuma gracinha ou os miolos dela vão pelos ares.
Eva engoliu em seco e seguiu em frente conforme o guarda a conduzia, podia ouvir as quatro passadas distintas atrás de si, seguindo em direção a outra muralha.
— Quem vem lá? — gritou o guarda da cabine, direcionando a luz para o grupo.
Aquele que os conduzia retirou o cartão com suas credencias do bolso da farda e a ergueu para que pudesse ser visto.
— Gashadokuro do quarto batalhão do Leste. Tenho quatro invasores que tentaram atravessar a fronteira sem autorização. Vou conduzi-los até a prisão.
A porta do segundo muro se abriu e os cinco atravessaram, passando tranquilamente pelos guardas do Norte. Eva podia sentir os dedos frios tocando seu pulso próximo as algemas, sua mente pensava em alguma forma de fugir assim que estivessem longe o suficiente da muralha da fronteira, assim teriam menos riscos de estarem em menor número em um confronto.
Assim que estavam longe o suficiente, Eva tentou girar seu corpo para desferir um chute naquele que a conduzia, contudo ele pareceu notar seu movimento e no momento em que erguera a perna para chutar, a outra fora puxada para trás, fazendo-a desequilibrar e cair mais uma vez.
— Relaxa, Karasu, já passamos da pior parte — pontuou o guarda retirando a máscara de proteção que acompanhava a farda, jogando-a para longe e retirando o resto do uniforme. — Esse negócio é mais quente do que parece.
— Era você... Por que não disse antes, idiota? — replicou Eva ao se virar e encarar o outro, vendo Matteo ali se desfazendo das roupas roubadas.
— Porque você é péssima em fingir, daria muita bandeira — pontuou Matteo se adiantando em soltar as algemas. — Além do mais, os guardas do Norte poderiam estar olhando, se ficasse conversando com vocês eles desconfiariam.
— Foi você quem matou os guardas do Leste? De onde você estava atirando? Não haviam muitos lugares bons o suficiente para mirar por toda aquela área — comentou Yatagarasu, mexendo as mãos após senti-las livres das algemas.
— De onde? Da cabine, o lugar que eles menos desconfiariam. Vocês se machucaram?
— Foi mais rápido do que eu pensava para chegar até aqui pela via comum — mencionou Íris, seus braços balançando levemente. — Estamos bem, sem feridas graves.
— Ótimo... Agora que estamos no Norte... Para onde vamos primeiro? — Quis saber Matteo, seu olhar passeando pelos quatro.
— Deveriamos seguir para Niflheim, é a nossa melhor chance de encontrar algum resquício ou informação sobre as droga — respondeu a mulher de longas madeixas negras.
— Na verdade... Quero apresentar um lugar a vocês antes, ou melhor, a alguém — comentou Íris dando um sorriso empolgado. — Pensei que fossemos demorar mais para chegar e o informei que chegaríamos ao amanhecer, mas se dermos sorte acho que o encontramos acordado.
— E quem seria essa pessoa? — Gael foi o primeiro a se mover quando a mulher sinalizou para a seguirem.
— O mensageiro do Norte, Hermodr.
— Então as outras regiões também possuem seus mensageiros? Você conhece todos eles?
— Bem, sim, nossa comunicação é mais frequente. O único que ainda não tinhamos contato era com o Leste... Mas você está aqui, não é, Ya?
— Os mensageiros são espiões ou algo assim? — Gael apressou o passo ao notar Íris aumentar a velocidade de suas passadas.
— Às vezes temos que agir como um, mas nossa principal função é a comunicação entre os grupos aliados. — Íris girou em seu próprio eixo, ficando de costas para o caminho que seguia e direcionando seu olhar para Yatagarasu. — Acho que não me apresentei corretamente para você antes, já que irá nos acompanhar não tem o porquê manter segredo. Sou Íris, a mensageira do Centro.
— Esse codinome parece combinar bem mais com você do que Yuki-onna, uma deusa grega faz mais sentido do que um yokai — mencionou Yatagarasu dando um pequeno sorriso de lado.
— Deveria deixar seus flertes para outra hora, não estamos em um momento para relaxar — afirmou Eva revirando os olhos para a cara de pau dela, sentindo seu rosto esquentar ao ouvi-la lançar um "ciumenta" com o tom mais debochado e provocativo que podia.
— Você falou sobre grupos aliados... O que exatamente são esses grupos? — questionou Matteo ignorando a pequena discussão que se iniciara entre Eva e Yatagarasu.
— Nós somos como vocês Rebeldes, ou os antiseparatistas. Antes agiamos separados uns dos outros, mas aos poucos os grupos foram se conectando a outros que renderam algumas alianças e trocas importantes de informações sigilosas — explicou Íris, voltando a girar seu corpo para olhar para o caminho que seguiam. — Nosso objetivo é retomar Unova ao povo e tornar esse lugar mais habitável para se viver, tentar consertar todos os anos de guerras, destruição e poluição. E quem sabe botar a cidade do alto abaixo. Seria uma boa se conseguissemos aliar com os grupos rebeldes do Leste.
— Nós não temos mais tanto contato assim com eles... Agimos como independentes — comentou Matteo olhando para o alto ao sentir algo gelado tocar sua pele, notando que começava a nevar.
— Vocês podem não ter agora, mas vocês sabem como retomar o contato com eles — falou Yatagarasu. — E até mesmo deveriam fazê-lo, as coisas têm tomado rumos incertos desde que vocês se afastaram, os grupos já não agem com um único objetivo, mesmo que tenha um novo líder, não é alguém em quem a maioria confia o suficiente para seguir.
— Como você sabe disso?
— Da mesma forma que eu sabia sobre algumas de suas missões nos Rebeldes, Zu, de dentro.
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inafetivo
Science FictionNaquele mundo em que sobreviver era a lei, os afetos são esquecidos e abandonados desde o berço. Amar se torna um peso, algo difícil de se carregar, uma cruz a qual poucos conseguem lidar. A guerra, a morte e a violência se encontram em cada esquin...