— Alguém do Leste? Quem era? — Quis saber Matteo ao ouvir aquela revelação, era incomum que alguém do Leste saísse da região, principalmente por ser um local muito fechado econômica e culturalmente.
— Ele se denominava Tanuki, era um homem um pouco... Estranho... Ele fez o nome dele no Panteão e por boa parte da região do Centro, vencendo jogos de azar e muitas vezes matando outras pessoas...
— Defina o que é estranho nesse caso. — Eva se desencostou do batente da porta e se aproximou mais dos outros três.
— Ele não tinha uma personalidade muito estável, na verdade ele mudava com certa frequência. Às vezes era gentil e solícito, em outras cruel e apático, outras tantas de uma seriedade assombrosa e tinha dias em que era engraçado e simpático...
— E como a música tem a ver com ele? Como ele a levou para o Centro?
— Você está bem apressado, gatinho. A curiosidade matou o gato, eu tomaria cuidado — brincou a mulher dando uma risada alta. — Há pouco mais de 20 anos foi quando ele chegou ao Centro pela primeira vez e começou a ganhar notoriedade, irritou muitos líderes do submundo e praticamente matou quase todos que se colocavam em seu caminho, e isso sozinho. Ele ficou popular bem rápido, no bom e no mau sentido, e, apesar de sua personalidade ser totalmente instável, havia algo que sempre o acompanhava: a música.
— E só por que ele ouvia, cantava, ou seja lá o que fazia, ela se tornou famosa e difundida pelo Centro?
— Não exatamente, raposinha, havia um motivo muito mais profundo para isso: sempre que o questionavam de seu motivo para cantar aquela música ele dizia que era porque ela o fazia lembrar de sua esposa e de seu filho que ficaram no Leste, como uma maneira de matar as saudades ou de lembrar os momentos felizes ao lado deles. Essa era a única parte de sua história que era sempre igual.
— Que coisa mais clichê e melosa — comentou Eva revirando levemente os olhos. — Parece que voltamos para as décadas de 2010 e 2020 quando essas coisas estavam em alta.
— As pessoas gostam de um clichê e um romance meloso e recoberto de açúcar, fazem elas esqueceram um pouco da miséria da realidade... Acho que foi por isso que ficou tão popular. Engraçado que por aqui no Leste não se difundiu tanto... Vocês são realmente fechados e complicados de entender.
— Não somos complicados, só temos bom gosto — falou Matteo com um leve toque de ironia, dando uma risada curta em seguida. — Mas em toda minha vida nunca escutei falar desse cara, muito menos dessa música e já estive em muitos lugares do Leste então não acho que seja algo tão nichado assim para que eu não soubesse.
— Tão popular, conhece o Leste todo — provocou Eva com sarcasmo, mostrando a língua ao vê-lo revirar os olhos e bufar baixo. — Também nunca havia escutado essa música antes de Han'yo...
Um curto período de tempo em silêncio veio após aquele comentário, todos pensando nas últimas informações e as juntando a Han'yo. Tanuki apreciava a música por lembrar de sua esposa e filho que ficaram no Leste, enquanto Han'yo parecia ter uma admiração pela canção, estar no Leste e ter um filho que certamente havia idade para já estar vivo há vinte anos.
— Não deveriamos procurar Han'yo? Talvez ela saiba de algo e tenha a ver com essa história — comentou Gael antes que qualquer um se pronunciasse, queria saber se a mulher era a mesma que Tanuki se relembrava com aquela canção.
— Vamos, a essa hora ela deve estar abrindo o bar — mencionou Matteo seguindo para o local onde deixava algumas das armas do prédio e as ajeitando em suas roupas.
— Espero que ela nos deixe comer de graça — pontuou Eva se dirigindo para pegar suas armas também, afinal, não se andava por Unova desprotegido.
[...]
Ao chegarem no lugar em que era o bar de Han'yo, o quarteto estancou incrédulo ao olhar para o recinto. A entrada estava completamente destroçada, parte das paredes haviam desabado e o lado de dentro estava chamuscado, como se tivesse tido um intenso incêndio ali.
O primeiro a se mover naquela situação foi Matteo que acabou por entrar no bar destruído, a pistola sendo agarrada com firmeza conforme se aproximava. Ao pisar no lado de dentro, ele girou observando tudo, verificando se ainda havia alguém ali, mas fora destruição estava tudo vazio.
Em seguida, Maya e Eva entraram e, por fim, Gael. Os quatro olharam tudo o que podiam, procurando qualquer resquício de que Han'yo havia passado por ali, entretanto, o máximo que acharam foram as bebidas, copos e taças quebradas pelo chão, assim como as mesas queimadas e fragilizadas, nem ao menos na cozinha parecia haver algo intacto.
— Será que Han'yo está bem? — perguntou Gael após vistoriarem cada canto do bar sem quaisquer sinais de vida.
— A pergunta certa seria: será que a pessoa que fez isso está bem? Aquela mulher é um monstro quando quer — comentou Matteo, sua mão mecânica abrindo alguns armários, olhando para o interior.
— Tirando os bens materiais, não parece que houveram outras perdas — mencionou Eva, seus olhos buscando qualquer coisa que parecesse bom o suficiente para comer naquela altura.
— Foi Han'yo que os pediu para matar Ushi-oni, não é? Será que algum dos remanescentes veio se vingar? Kishisake, Umibozu, Kappa... Os três eram extremamente leais e capazes de fazer algo assim — falou Maya enquanto deslizava pelo local, pegando alguns pedaços da parede.
— Foi um dos remanescentes, mas nenhum dos que citou — comentou Matteo após abrir uma das portas e vendo uma pequena corda de romper, com isso um cachorro de brinquedo que estava no interior começou a se mover. — Merda, vamos embora, agora.
Matteo se afastou e pegou Eva e Gael pelos braços, os puxando para fora, enquanto Maya parecia ter entendido a situação e se adiantado para fora. Mal haviam pisado do lado de fora, uma explosão forte e intensa se iniciou da cozinha, a força do ato fez o ar se expandir violentamente e os empurrar para longe, arremessando-os para o outro lado da rua.
Os quatro caíram contra o chão, enquanto o local recomeçava a pegar fogo e a fumaça preta da explosão subia pelos ares em nuvens densas e fedidas.
— Essa foi por pouco — mencionou Eva respirando ofegante, sentindo parte da fumaça entrar por suas narinas, a fazendo tossir. — Vocês estão bem? Se machucaram?
— Estou bem, obrigada por se preocupar, corvinha — agradeceu Maya se adiantando em se jogar sobre a maior, abraçando-a e esfregando seu rosto contra o colo dela. — Você é tão gentil e fofa preocupada assim.
— Foi uma pergunta por educação — explicou Eva, seu rosto virando levemente para o lado, as bochechas se tingindo sutilmente de vermelho.
— Maldito cachorro piromaníaco de merda — murmurou Matteo se levantando e espalmando a poeira em sua roupa. — Quando eu achar esse desgraçado, ele vai ver só.
— E agora? O que faremos? Será que Inugami levou Han'yo com ele? — questionou Eva, soltando-se de Maya e se levantando também. — Se ele fez isso, será mais um problema para nos preocuparmos...
— Não, ele não é do tipo que leva e guarda para depois. Se o problema dele fosse com Han'yo teria a matado e não só explodido o lugar e deixado aquele aviso.
— O que acha que ele quer? — Quis saber Gael, suas mãos forçando seu corpo para cima e ajudando Maya a se levantar.
— O problema dele sou eu e sinceramente não tenho mais nenhum motivo para mantê-lo vivo. — Matteo bagunçou os cabelos de forma irritada e respirou profundamente. — Acho que tenho uma ideia de onde Han'yo pode estar.
[...]
Ao chegarem em frente a casa decrépita, Matteo ajeitou a máscara em seu rosto e não tardou em fazer o mesmo com a de Gael, enquanto Maya e Eva arrumavam as suas sozinhas.
— Viemos buscar algo? — questionou Gael ao reconhecer o local, era o mesmo que Matteo o trouxera para pegar materiais para construir um toca-discos.
— Viemos buscar informações, Jizo deve saber de algo — respondeu Matteo, seu corpo virando apenas para conferir que todos estavam prontos e se encaminhou para a entrada.
Ao entrarem, passaram pelo grupo de crianças que parecia bem maior do que da última vez e desceram a escadaria. Ao chegarem na sala em que ficavam as diversas tralhas e materiais, além de qualquer outra coisa que pudesse se encontrar e vender, logo viram o homem de baixa estatura atrás do balcão.
— Dizem que quem é vivo sempre aparece, mas você tem aparecido muito por aqui ultimamente, Kitsune — comentou o homem com seus dedos batucando contra a madeira velha. — Vejo que trouxe mais amigos dessa vez.
— Onde ela está? — O de fios avermelhados apoiou o rosto em sua palma e o encarou em dúvida, como se perguntasse quem ele se referia. — Han'yo, onde ela está?
— Ora, como vou saber onde ela está? Não sou um localizador.
— Não brinque comigo, Jizo. Eu sei que sabe de algo, você sempre sabe. — afirmou Matteo, seus pés o aproximando do balcão, enquanto seus olhos percorriam toda a sala.
— Sempre sei? É algo muito forte para afirmar, não acha, Kitsune? — mencionou o homem dando uma alta gargalhada. — Só porque sou velho, não quer dizer que eu saiba de tudo.
Matteo continuou observando o local, enquanto andava de um lado para o outro, seus olhos se dirigindo para o chão.
— O que é esse lugar? — perguntou Íris se adiantando para o balcão, seus olhos grandes e arredondados encarando-o com curiosidade.
— Aqui é uma loja de troca, tenho de tudo um pouco, você precisa de algo em especifico, garotinha? — questionou Jizo, sua mão repousou na cabeça da mulher, afagando-a como faria com uma criança.
— Você tem alguma arma de longo alcance que seja potente o suficiente?
— A parte de armas fica ali atrás — comentou o homem apontando para o fundo da sala.
— Obrigada, vem, corvinha — chamou Íris, puxando a maior para o lugar informado. — Deve ter algumas adagas para você também.
Eva revirou os olhos, mas seguiu a mais baixa, sem muitos motivos para não o fazer, afinal, ainda poderia ouvir a conversa em qualquer parte daquela sala pelo eco que havia ali.
— Você tem amigos bem inusitados — mencionou o homem, seu olhar recaindo sobre Gael. — E você, jovem? Procura algo?
— Não, apenas Han'yo.
— Sinto desapontá-los, mas não vão conseguir nada sobre ela por aqui.
— Espero que saiba que não sairei daqui até que abra o bico, Jizo — pontuou Matteo em um tom sério e irritado, seu olhar seguindo para algumas bitucas de cigarro no chão.
— Você está bem raivoso hoje, o que aconteceu? Algum cachorro te mordeu por acaso?
Matteo girou em seu próprio eixo e se aproximou rápido, sua mão segurando a gola da camisa do outro, puxando-o com brusquidão sobre o balcão.
— O que está insinuando? Você sabe onde ele está, não sabe?
— Pensei que tivesse se encontrado com Inugami, ele esteve por aqui te procurando. Pelo jeito não se acertaram.
— E nunca vamos. Não posso me acertar com ele se não for para matá-lo.
— Quanto rancor, Kitsune. O que você fez para deixá-lo como está?
— Como? O que eu fiz? Eu não fiz nada, ele quem ficou estranho de repente e decidiu fazer merda por aí.
— Não fez? Está dizendo que aquele jovem que te seguia como um cachorro fiel para todos os lados simplesmente passou a te odiar sem motivo algum? — mencionou Jizo, sua mão recobrindo a do mais novo, a afastando de si. — Ele morreria e mataria por você, Kitsune. Que outro motivo ele teria se não esse?
— E eu que sei? Eu não fiz nada contra ele, nunca faria... Não no passado — replicou Matteo, sua respiração ficando entrecortada e profunda. — Você está desviando de assunto para não falar sobre Han'yo.
O homem nada respondeu, apenas deu um sorriso displicente e moveu seus ombros para cima e para baixo, saindo de trás do balcão e caminhando pela sala até chegar em Gael, indicando para que o seguisse.
— Venha, vou te mostrar a loja, quem sabe não se interesse por algo.
— Eu... Certo. — O maior acabou por seguir o outro quando ele o puxou pelo pano da calça.
— Você tem recebido muitos clientes ultimamente, Jizo? Está tão desesperado assim para vender algo? — provocou Matteo, o sarcasmo e cinismo deslizando por sua voz.
— O último que recebi foi você, ninguém mais se interessa por essas coisas.
— Hm... E você ainda mantém o mau hábito de fumar?
— Você sempre é tão observador... Tem alguns embaixo do balcão, se quiser.
Matteo se inclinou sobre a madeira e pegou um dos cigarros e depois uma das bitucas que vira anteriormente.
— Pode acender para mim, Jizo?
O homem de baixa estatura mexeu em seu bolso até encontrar o isqueiro, acendendo o cigarro para o mais novo, acompanhando com o olhar enquanto ele tragava e soltava o ar, em seguida, colocou a bituca em seus lábios e encostou a ponta em brasa, a acendendo também.
— Sabe, é estranho que não tenha recebido ninguém, mas tenha restos de cigarros que claramente não são do mesmo tipo que os que fuma... — comentou Matteo, a fumaça branca deixando seus lábios. — E mais estranho ainda é que esse é idêntico aos de Han'yo. Onde ela está?
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inafetivo
Science FictionNaquele mundo em que sobreviver era a lei, os afetos são esquecidos e abandonados desde o berço. Amar se torna um peso, algo difícil de se carregar, uma cruz a qual poucos conseguem lidar. A guerra, a morte e a violência se encontram em cada esquin...