Constante inconstante

3 1 0
                                    

O punk rock tocava baixo na sala de bugigangas, enquanto Matteo se empenhava em suas pesquisas e modificações em seu protótipo. Estava concentrado no que fazia, mas ao mesmo tempo já havia se acostumado com o embalo das músicas, nem ao menos reparando quando começava a acompanhar com baixos resmungos a canção. 

A presença de Gael o observando trabalhar parecia uma constante e o menor tentava ignorar a pequena sensação de nervosismo que começava a aflorar na boca de seu estômago. 

Talvez fosse fome. Ou ao menos era isso que o moreno desejava. Que aquela sensação dentro de si significasse a ausência de uma alimentação completa e não qualquer outra razão. 

Quem sabe fosse um indício de que seu estômago carecia de nutrientes e para isso se enfiara em um autocanibalismo exacerbado. 

— Só pode ser isso. — Murmurou para si mesmo, seus olhos atentos encarando o protótipo em sua frente. Um suspiro frustrado deixando seus lábios ao perceber que a fome que sentia não era tão diferente ou maior do que das outras vezes. — Quem eu quero enganar? 

— Está falando comigo? — questionou Gael ao ouvir os resmungos baixos do outro o vendo negar com a cabeça. 

— Nada, estava falando sozinho... Reajustar está sendo bem mais complicado do que eu pensei, só isso — explicou o moreno, seus dedos girando a chave de fenda contra um dos parafusos. 

O maior balançou a cabeça afirmativamente e se aproximou naquelas passadas ritmadas e marcadas, ficando perto o suficiente e repousando sua mão sobre os cabelos do outro, acariciando os fios levemente grossos pela sujeira e descendo por todo couro cabeludo. 

Matteo prendeu a respiração ao sentir o toque alheio tão quente e ao mesmo tempo apático. Entendia que o outro estava lhe consolando e confortando e de alguma forma se sentia tocado, mesmo que soubesse que, no fundo, Gael não sentia como a si, talvez o fizesse por algum senso de obrigação. 

— Conseguiu se lembrar de mais alguma coisa com a música? — perguntou em uma lufada abrupta, interrompendo o contato entre eles, sua mão boa segurando a ferramenta com mais firmeza entre seus dedos. 

— Não na verdade... O máximo que consigo me lembrar é dessa mulher que deu o meu nome... Mas ela está embaçada, como se tivesse algo nos meus olhos enquanto a observo. 

— Como uma venda? 

— Não exatamente, eu a vejo como um borrão trêmulo. 

— Hm... Como se tivesse um vidro embaçado em seus olhos? 

— Isso. Algo assim. 

Matteo pensou um pouco e se encaminhou pela sala, abrindo as gavetas, procurando dentro das caixas de quinquilharias até encontrar o que procurava: um frasco azulado e pequeno. 

— Sente-se aqui, não sou alto o suficiente para alcançar seu rosto com você em pé — pediu o menor girando uma cadeira e a colocando em sua frente, logo o outro se sentava ali. — Levante o rosto um pouco, assim. — Matteo tocou o queixo alheio e o empurrou para cima e para trás, até que estivesse inclinado. Em seguida pingou algumas gotas nas orbes do maior. — Agora olhe para mim. É assim que você a vê? 

Gael se focou no moreno a sua frente, o líquido escorrendo de seus olhos e marcando suas bochechas, dando a estranha sensação de que estava chorando, mas sua expressão não tinha mudança nenhuma. 

— Parecido com isso. O que é? 

— Isso? É colírio, não tem nada demais, só está vencido como boa parte dos medicamentos que temos acesso... Você acha que estava chorando na hora? 

inafetivoOnde histórias criam vida. Descubra agora