Capítulo 10: O lado oculto dos sentimentos

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"Em seu casulo de sombras, ela se desenvolve de maneira oculta, livre de olhares julgadores, ambicionando em sua alma superar suas fraquezas. Os sábios entre os insetos dizem: 'toda transformação dói'. Conforme as mudanças ocorrem, pedaços são deixados para trás."

Estrofe II - Casulo das sombras

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Chuva. Frio. Calor. As vigas da Mansão pareciam muito fortes, embora sempre rugissem com a inconstância de temperatura habitual. A vida no vale, desde os pequenos aos grandes animais, seguia seu ciclo natural conforme a mudança das estações lhe indicava. Susanna, todavia, sentia carência de mudanças. Independentemente do clima lá fora, ela seguia sua rotina fatídica, assistindo aulas em todas as manhãs, treinando durante as tardes; e, quando o sol se punha, ia ao seu glorioso recanto, a biblioteca.

No primeiro oitavo dia de inverno que Susanna passou longe de seu verdadeiro lar, optou por omitir que era seu aniversário; Eric havia perguntado, mas ela guardou para si. — Sabia como ele era ruim em manter segredos, e não queria que Leonor soubesse. — Logo após o aniversário, ela perdeu uma unha do pé num dos treinos intensos de Leonor. Ainda que fosse um ferimento simples, acabou por infeccionar. Por sorte, a enfermeira da Mansão era mística e tinha ótimas habilidades curativas. Na metade daquele ano, a garota sofreu outra lesão, uma canela quebrada. Desde então, Nayoung, sua criada, foi incumbida de lhe ministrar aulas de reforço na enfermaria. Pelo menos Susanna pôde desfrutar de alguém mais gentil ao seu lado.

No nonagésimo dia de outono do ano 439, poucos dias depois da recuperação completa da perna, Susanna pegou seu caderno de memórias e foi até a varanda próxima a biblioteca, sentando-se num dos bancos acolchoados. A visão para o grande vale, o ar fresco... Ela gostava daquela parte da Mansão. Todavia, a chegada do frio trazia outra notícia. Mais um ano chegando ao fim, mais um inverno se aproximando. Em breve se completariam dois anos longe de seus pais, sem que recebesse uma carta sequer. Ela olhava para os céus esbranquiçados e se perguntava "por que?". Embora não entendesse, buscou com diligência não se entristecer. Acolheu bem seu diário sobre seus dedos ásperos e leu nas páginas o que havia anotado sobre a última lição antes de ser recolhida à enfermeira. Uma aula sobre os sentimentos de Místicos:

"Nossas identidades são construídas a partir das relações entre sentimentos primordiais de uma alma que surge. As corrupções deste mundo são capazes de fragmentá-la, então somos dominados por estes sentimentos quando ainda não estamos prontos para lidar com eles.

Alegria e Tristeza;

Orgulho e Rancor;

Raiva e Passividade;

Compaixão e Rancor.

"A oposição entre os dois sentimentos mais marcantes em um místico compõem uma Dualidade. Um dos sentimentos é visto como 'o lado sombrio', e o outro normalmente surge ainda cedo como uma compensação. Um eterno embate entre luz e escuridão dentro de cada um, que deve ser mantido em equilíbrio para que haja saúde."

Susanna se lembrava desta aula. Um dia em que, curiosamente, Leonor estava bem menos implicante. A garota recordou o momento, quando criou coragem para perguntar...

— Leonor, as almas são assim tão instáveis? — Susanna mantinha os olhos fixos na anciã. Nunca imaginou que ela, tão firme e rígida em suas crenças, pudesse ter conhecimento sobre a alma. Sentia como se estivesse em Helonys outra vez, ouvindo os sábios de sua tribo falarem.

— Todo ser é frágil por natureza, garota. É como se nascêssemos trincados, por isso tendemos a nos quebrar. Buscamos evitar isso, mas, quando acontece, temos que juntar os cacos — disse a veterana. A resposta parecia um tanto quanto catastrofista...

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora