Capítulo 15: Primeiro momento de caça

70 4 83
                                    

Inverno, 6° dia.

~•~

Após o terceiro dia de punição, Susanna foi levada de volta à mansão. Ainda sentia resquícios do terror, podendo jurar ouvir o som de ondas mesmo estando em perfeito silêncio sob a proteção das paredes amadeiradas e das colunas de pedra.

A garota havia ganhado cicatrizes eternas nos joelhos e também na alma; mesmo que superasse aquela dor, Leonor estaria para sempre com ela, marcada onde mais doía. Vendo-a dessa forma, Nayoung a acolheu. Preparou algumas xícaras de chá e um banho temperado, depois tratou seus ferimentos com ervas e seivas. 

Susanna era grata pela ajuda que recebia de sua criada; guardava-a em seu coração. Lembrava-se de ter lido três vezes os livros dados por ela enquanto esteve aprisionada. No terceiro dia de punição, Nayoung compareceu no casebre do rio e recolheu todas as coisas antes que Leonor fosse buscá-la. Na ocasião, a garota não parecia muito mais magra, apenas suja. Depois de algumas horas, Leonor foi até ela e a arrastou de lá como um animal, em seguida a devolveu para a criada. Como lhe foi ordenado, ela preparava a garota para entregá-la no salão de celebrações, já bem aparente, com todas lacerações disfarçadas e tratadas.

A garota-mariposa era pura, uma jovem que viveu em meio a solidão desde muito cedo. Sempre procurou entender sua condição de sensibilidade, que mais lhe parecia um atraso do que benefício; tendo sofrido com pesadelos e tormentos na infância, mas nunca culpou ninguém além de si mesma. Considerava ser amaldiçoada, destinada a sofrer. E naquela noite, sob os tetos da mansão aquecida por diversas lareiras, ficou tentada a sentir ódio pela primeira vez.

Ela via as coisas deste modo enquanto refletia rente a longa mesa repleta de alimentos. Contemplava todos comportados, dedicados a seus pratos e suas taças. Quando Leonor a encarou, limitou-se a virar o rosto. O clima era denso. Eric a olhava com piedade, sabendo do que ela passou, mas não ponderou dizer algo a respeito, pois poderia ser estapeado de maneira tão forte que desmaiaria. Era nítido como sua vó orgulhava-se pelo que havia feito. Ela conseguiu; domou a garota.

— Satisfeita com a vida boa, vermezinha? — perguntou Leonor de maneira áspera, rompendo o silêncio, vendo-a negligenciar os legumes no prato. A senhoria bebia o habitual líquido preto em seu cálice de cristal. Suas mãos magras deixavam as veias e nervos aparentes. As unhas negras que fixavam a taça de repente ganhavam uma coloração mais viva.

Susanna não respondeu. Ainda tinha ousadia o suficiente para isso. O canto de sua boca, ferido, dava-lhe ainda menos razões para querer conversar, então mantinha o semblante raivoso. Olhos dourados ferozes meio às mechas do cabelo vermelho-sangue. Leonor pareceu não se importar. Klaus menos ainda, ocupado em sua carne gordurosa, certo de que sua sogra sabia bem como educá-la. O senhor místico sempre comia algum animal, não importava que fosse ainda o começo do dia.

Leonor voltou a dizer:

— Esta semana você irá às caçadas com Klaus e Eric, garota. Já passou do tempo de você aprender a cultura daqui. Talvez assim entenda sua nova realidade e aprenda alguma coisa. Estou quase convencida que sua fraqueza física é causada por não se alimentar direito.

As palavras tiraram Susanna de sua posição hostil para algo que retorcia suas entranhas. Não imaginava a si mesma matando qualquer animal e ainda ter que comê-lo... Ela congelou. A pele ardendo pelo medo. De repente, lembrava-se do que considerava importante em si mesma.

— A vida é dura, criança. É ilusório acreditar que um caminho de ouro se estenderá por onde você passa. Quanto mais cedo aprender, melhor será — Klaus se posicionou, logo voltando a comer da carne. A princípio, ele não voltaria a caçar naquele tempo frio, mas já que sua protegida precisava disso, ele não hesitaria em agir.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora