Capítulo 35: Ingloriosa partida

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Outono, 93° dia.

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A nave pousou na parte alta em volta do Vale, a alguns metros da Mansão. Os médicos de Schalcon desceram com urgência pela rampa da área de carga carregando a maca de Leonor. Um aparato hospitalar foi montado na sala de estar, ao lado do hall principal, onde todos esperavam com apreensão. Houve um momento onde aconteceu silêncio. Susanna manteve-se próxima a Eric o tempo todo. Sentia que conseguia acalmá-lo. Segundos depois, um médico humano apareceu com uma notícia. Leonor estava viva, porém não se sabia por quanto tempo.

Klaus se propôs a gerenciar a etapa seguinte. Cada um seria chamado para ter seus momentos a sós com ela. Uma criada da casa levou as gêmeas primeiro. Depois as tranquilizou, pois choravam muito. Então veio a vez de Eric. Ele demorou um pouco mais lá dentro e preferiu ficar sozinho quando retornou, indo para a parte sul da Mansão.

— Sua vez, Susanna — disse Klaus com voz embargada.

Ela levantou do assento de espera e se encaminhou ao leito médico no cômodo a parte. Tinha um certo temor, mas não demonstrava-se acuada como os demais. Foi a passos lentos, como se encarasse uma triste obrigação. Sua reação ao ver Leonor em um estado de degeneração, no entanto, fez com que ela se sentisse estranha. A anciã cheirando mal, totalmente fraca e ressecada. Seus feitiços de rejuvenescimento decaindo e revelando sua real forma. Leonor sempre tinha sido um símbolo de arrogância e poder para Susanna, então vê-la daquele jeito era um sinal de que sua vida como a conhecia, e todos os desafios que um dia lhe foram impostos entre aquelas paredes, esvaíam-se como um sopro de morte.

— Você... deu um jeito de ficar forte... mesmo sem mim, não é? — Leonor pigarreou, buscando forças para falar. Tinha olhos fundos e quase apagados. — Você usou a Máscara do Rancor... Sabia que você chegaria a algo assim... Sempre foi tão destemida.

Leonor também parecia sensibilizada emocionalmente. Os dias finalmente pesavam sobre ela. Com as mãos fracas, ela tentou tocar a mão de Susanna próxima ao leito, mas a jovem se esquivou de forma contida.

— Susanna... eu sei que fui impaciente na sua criação. Eu não sabia como fazê-la evoluir... Eu precisava ter certeza que você seria forte e que não destruiria a si mesma... Me perdoe se fui rude demais com você — a voz dela falhava. Pareceu recolher um pouco de sua energia. Encarava a jovem com muita atenção.

Susanna percebeu a dor dela, e pensou bem antes de responder.

— Seja lá o que você tinha por intenção, Leonor, você não cativou ninguém, muito menos a mim. Seu significado morre com você — ela confessou de forma mansa o que estava claro em seu coração. Um misto de alívio e pena.

— Eu queria você forte... — a anciã arranhava sua voz. Lágrimas sofridas caindo de um de seus olhos.

Na mente de Susanna passavam coisas horríveis. Maldições... Talvez mencionar o quanto Leonor merecia o inferno, mas se limitou ao olhar frio, enchendo-se por lágrimas. Estava cansada de tanto ódio, seu corpo ainda doía, mas não podia omitir o que sentia... O sentimento que embolava em sua garganta.

— Você não me fez forte, Leonor... Você só me machucou — ela confessou com lágrimas vagarosas escorrendo pelo rosto. Parecia-lhe justo o fato de que aquela que a desprezou e tratou de forma rígida conhecesse em seu leito de morte seu grande fracasso.

— Me perdoe, garota... Eu achei que conseguiria — a anciã suplicou em seus fracos suspiros.

Susanna nada disse, mas se permitiu respirar, soltando vagarosamente todo ar que prendia. Não retirou os olhos dela, mesmo que lágrimas teimosas escorressem. Leonor cada vez mais, perdendo a cor, seu último olhar agonizante. Aguardava uma resposta, mas não a teve. Seu corpo tremeu. Um último ar quente foi expelido de sua boca.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora