Capítulo 27: A Rainha e a Sombra

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Muitos quilômetros ao norte...

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Kahli Reffe, a exploradora, olhava para longe, buscando qual seria o local secreto indicado em seu mapa. De fato, Yuturur honrava a fama de país de terra hostil. Aves reptilianas voavam ao céu com seu corpo esguio e extensas asas. O imponente deserto, o fino manto de areia branca sobre o chão rochoso, as formações de rochas alvas ao longo do caminho seco, poucas árvores de tronco retorcido buscando água a dezenas de metros de profundidade.

A senhora mística vestia roupas desérticas em tom cinza e vermelho. Montava um Esteropitacus: um grande animal de couro grosso sem pelos, quatro patas fortes, um corpo robusto arqueado que a carregava sem o menor esforço numa cela. A cabeça ficava próximo ao solo, com orelhas caídas e uma curta tromba.

No horizonte, uma miragem, pois o céu parecia tocar a terra. Quanto mais ela marchou rumo àquela anomalia, esteve certa de que era algo que enturvecia a vista, como neblina, ou como as próprias nuvens, que vinham do céu e se conectavam à areia, tornando quase invisível a longa distância uma gigantesca elevação que rodeava todo aquele deserto. Kahli se sentiu insignificante perante tal grandeza.

Às vezes a areia se agitava pelo vento, e o chão tremia. Ela pensava se seriam os gigantes colubrídeos metálicos ouvidos em histórias ou alguma atividade vulcânica estranha. Seu mapa indicava que acima daquela muralha rochosa, além da anomalia, havia um planalto exuberante em flora, para onde todas aquelas aves se abrigavam em oásis. Em outra época, ela daria tudo para contemplar tal vista, pois ninguém nunca havia chegado até lá.

Mas ela não tinha espaço para pensar noutra coisa que não fosse sua filha. As dificuldades pareciam uma boa sentença para ela, pois nenhum descanso era previsto em sua mente. Com muito, relutava, e usava de suas forças para recuperar as grandes perdas de seu coração.

Susanna, minha querida... Espero que um dia me perdoe.

Esse pensamento era o seu guia, e por isso seguia em frente.

Quanto mais ela marchava rumo ao paredão, mais sentia que a distância não diminuía. Devia estar a centenas de quilômetros e mesmo assim pôde ver os clarões das nuvens amareladas que tocavam o solo, o que ela percebeu ser a causa dos tremores. Algumas árvores mais surgiam na paisagem. O Esteropitacus marchava forte, mesmo que sem descanso a três dias.

— Só um pouco mais, rapaz... — Kahli acariciou o animal. Quando suas mãos macias tocaram-no, ela pôde se conectar com a fera, tendo a certeza de que o lugar era reconhecido. A tromba ultrassensível parecia perceber aproximação de água.

Antes mesmo do sol se pôr, Kahli chegou ao recanto dos Rasaras, os seres nativos de Kaedra. Entre as formações de rocha branca, grama, vegetação rasteira, e escombros de um antigo vilarejo, estava Bösel, a cidade oculta na montanha branca.

Da mesma forma, a anomalia ocupava o horizonte. Mesmo que Kahli tivesse percorrido uma grande distância, saindo do alto deserto para uma região ainda seca, porém com vegetação mais proeminente. Rasaras passavam pela região cercada de montes, protegendo-os dos ventos fortes de Yuturur. Kahli os observava. Aqueles seres eram tão rústicos quanto se podia esperar. Tinham mais de dois metros de altura, forma humanoide, porém mais fortes; de pele grossa, cor castanha. Rosto rígido, narinas reptilianas, mandíbulas e pestanas sobressalentes, alguns poucos pêlos ao lado do rosto e pequenos chifres achatados espalhados pelas costas e na parte de trás dos braços.

Eles encaravam Kahli com olhos ferozes, mas de modo algum pareciam representar ameaça. A mística entendia que antipatia era parte da natureza deles.

Sobre sua montaria, ela foi à mais extensa formação rochosa que havia ali. Parou diante da entrada para o interior da montanha, livre, sem guardas. Ninguém chegava àquele lugar sem a aprovação do deserto. Kahli deixou o Esteropitacus no estábulo, sob os cuidados de um nativo, então, desceu por uma rampa ao interior da cidade de Bösel.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora