Capítulo 30: Demônio Queimado

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Outono, 91° dia.

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Assim que tinha a máscara em mãos, sentindo sua textura ligeiramente áspera e leveza, Susanna desfez a aura sangue de seu corpo, e, ao fazer isso, a máscara desapareceu com um sopro de sombras que a levou.

A mística sentiu uma leve tontura. Eric foi até ela, segurando-a para que não caísse. A fraqueza devia ser normal em decorrência da energia que ela gastou para conjurar a máscara. Forjar sentimentos demandava uma força extra; Susanna teve que navegar por suas emoções mais profundas das lembranças mais doídas. Uma viagem ao passado por intermédio dos sentimentos. Em teoria, a máscara só deveria ser utilizada quando ela obtivesse os sentimentos de modo natural; em situações onde o rancor a dominasse. Em casos assim, a máscara a protegeria.

A visão dela voltava pouco a pouco a obter algumas cores. Além das manchas de sangue em sua pele, haviam outras consequências físicas do Rancor, tal como cegueira temporária e dor nos ossos. Eric esteve com ela, enquanto a ruiva recuperava as forças. Ela apalpou os ossos da face, com olhos molhados; sentia dor em quase todo corpo.

— Venha, vou te ajudar... — disse Eric, apoiando o braço dela sobre seus ombros e ajudando-a caminhar.

O Rancor era uma disruptivo. Havia motivos para aquelas consequências corporais. Os olhos ficavam cegos, pois a consciência de Susanna ia para a dimensão espiritual, onde ela via através do sexto sentindo as almas com clareza. Essa viagem a outra dimensão através da consciência descarregava alta quantia de energia sobrenatural no corpo, causando as manchas e a dor nos ossos. Susanna reparava em como seu cabelo e suas unhas escureciam também.

Conforme as consequências passavam, ela sentia os cinco sentidos naturais voltarem a funcionar normalmente. Um dos primeiros sinais de que estava de volta ao seu corpo e ao mundo físico foi o cheiro adocicado do perfume de Eric. O sentimento de conforto por ter sido ajudada.

Era um sentimento estranho, como se no íntimo dela, suas células implorassem pelo oposto do que a havia levado ao colapso corpóreo. A compaixão. Por um instante, ela entendeu o significado do equilíbrio. A compaixão de Eric chegava até ela através da aura, tocando em suas dores e as aliviando, curando suas feridas.

Compaixão é quando alguém te estende a mão, e te ajuda, mesmo que isso o afete, mesmo que isso não seja benéfico para ele.

Pela primeira vez, Susanna sentiu algo assim. Algo que ia além das camadas superprotetoras pelas quais ela se envolvia. Algo que a mudava por dentro. Lamentava não ter sentido isso antes.

Do lado de fora, na floresta, começava a chover. Eric guiou Susanna até uma cobertura, próximo a uma grande rocha sobre a relva. As muitas árvores em cima, palmeiras e galhos impediam que eles se molhassem. Ele a ajudou a se sentar, onde poderia recobrar o restante das forças. Deu a ela um pouco de água.

Susanna tinha algo em mente. Respirou fundo antes de dizer.

— Eric, eu quero ir para Helonys... Você vem comigo? — ela o olhou com súplica. Tinha uma sentimento diferente agora. Como se reconhecesse a necessidade de seu apoio.

— Tem certeza? É um risco a mais que correremos — ele disse. Tinha o tom calmo, companheiro.

— Se existe uma chance de eu entender mais sobre mim, essa chance está em Helonys. Eu sinto que há algo lá. Meu coração não me deixa em paz.

— Se você acha que deve ir lá, eu irei contigo — ele foi firme. Sabia que a ideia não era boa, mas não tinha como convencê-la, pois via nos olhos dela a decisão. Ela também já havia optado por ajudá-la a por um ponto final nessa história. Ele só torcia para que tudo ocorresse bem.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora