Capítulo 26: Mariposa Branca

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Primavera, 22° dia.

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Susanna optou por tirar um período para cuidar de sua sanidade mental, pois vinha se sentindo muito triste ao exercer as obrigações diárias. Seu tempo de lazer, antes utilizado para ler, dedicou fielmente a escritas em seu diário: pensamentos, poemas... Dentro de si, certa estranheza. Como se algo a corroesse, uma vontade que se confundia com melancolia e dor. Sentia como se precisasse respirar.

Certa madrugada, ela pegou seu caderno em mãos, vestiu seu casaco negro de lã e foi para a floresta. Talvez a primavera fosse a época mais arriscada para sair sozinha. Era o período de reprodução das cunpulunas. As grandes flores rasteiras tinham muita sensibilidade. Bastava um esbarrão nelas para que liberassem veneno no ar. Sem a ajuda de Eric para fazer a exploração, Susanna precisava de muito cuidado.

Ela caminhou alguns quilômetros pelo vale. Utilizava-se do som do rio corrente, não muito longe dali para se guiar. Dessa forma, chegou próximo a um paredão que dividia o planalto, algumas centenas de metros acima e o fim do vale. Ali havia uma bela cachoeira, que trazia a água gelada das terras altas e repousava num leito d' água no meio da floresta. Haviam flores na mata que a cercava, de todos os tipos. Suas cores contrastando com o azulado que a vegetação ganhava pelo brilho das duas luas.

Susanna se assentou sobre uma rocha, abraçando os próprios joelhos, pois fazia frio, e o seu casaco de lã negro não era tão bom em conter a temperatura. Estava a uma boa distância da cachoeira, de modo que o som contínuo e monótono da grande queda d'água não soasse tão alto em seus ouvidos. A garota tinha o rosto marcado por lágrimas, tingido por sua tristeza silenciosa. Ela ainda tinha aquela sensação estranha... Algo tão calmo, mas que parecia devorar seu coração centímetro a centímetro, deixando-a esvaziada.

Então, respirou fundo, reinflando os pulmões, praticando o que havia aprendido. Abriu os caminhos da alma, buscando sentir tudo a sua volta. Desta vez não haviam pessoas, apenas os sentimentos contidos na terra, nas flores, nos animais. Ela deixou que sua mente voasse longe, e conforme sua aura se espandia, em contato com a natureza, sua mente se acalmava. Seus olhos de íris âmbar se abriram para contemplar a beleza da lua branca, Ectênia; e da vermelha, Dixes. Foi quando uma borboleta veio a ela, aproximando-se contra a luz de Ectênia e pousou em sua testa.

Quando Susanna se deu por conta, já estava coberta por várias borboletas de espécies distintas — talvez fosse época de reprodução. Apenas fechou os olhos, e relaxou, apreciando o farfalhar de asas. Poucas horas depois, elas se dispersaram, ficando algumas poucas como companhia.

Foi quando ela percebeu a aproximação de um místico. É claro que era ele, e se fosse outra pessoa, ela não saberia como reagir.

— Susanna? — disse Eric, em tom de preocupado.

— Estou aqui — ela respondeu, enxugando as lágrimas em seguida. — Como você me encontrou?

— Já que você não me conta as coisas, só me resta descobrir — respondeu ele em tom sereno.

Ela tinha motivos para considerá-lo um invasor, mas não seria honesta com seu amigo. Susanna pensava que se ela, de fato, carregava sombras tão obscuras consigo, e as mantinha escondidas, era por suas próprias razões. Ela temia ser uma máquina de mutilação, capaz de feri-lo apenas por se aproximar demais. Então agia com gentileza, como sua dualidade determinava que ela deveria.

— O que está fazendo? — ele perguntou curioso.

— Sentimentalizando... — ela respondeu suscinta.

— Eles voltaram, não é? Os seus pesadelos... Igual tinha na infância — ele disse. Eric parecia mesmo perspicaz, mas ela não se surpreenderia se tivesse deixado um rastro sentimental ao longo do caminho. — Você sabe o que pode tê-las trazido de volta? — ele insistiu. Sentou-se ao lado dela, atento aos seus olhos.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora