Capítulo 23: Cegueira

50 1 25
                                    

Ano 441.
Primavera, 3° dia.

~•~

Uma manada de órix-montanheiros desbandava pelo vale verdejante. Animais de cascos fendidos, longos e resistentes chifres, e uma lã negra muito prestigiada. Os animais eram raros de serem vistos na floresta, pois normalmente não desciam das montanhas além das altas planícies. Visando a captura de um casal da criatura, Klaus reuniu um grupo de caçadores para fazer a busca. Eles se espalharam desde as quedas d'águas ao vale e à colina norte. Desta forma, podiam alertar caso algum espiritualista se aproximasse.

Em meio a mata fechada, Susanna seguia com sua dupla de caça. Eric ia a frente, rastreando de maneira hábil. Susanna o seguia, ofegante; com o rifle nas costas, lutava para o acompanhar e transpassar os cipós, os galhos e a vegetação perigosa.

Eric decidiu parar um pouco, próximo a um riacho. Susanna agradeceu por isso, pois sentia sua barriga doer. Ambos tinham doze anos de idade, data próxima ao fim da adolescência mística, e já haviam se acostumado a muitas caçadas. Esta, em específico, parecia desafiadora e inútil demais.

Susanna reparou no céu, que começava a cobrir-se por uma cortina cinzenta, trazendo ventos de chuva do norte, o que atiçava as flores tóxicas e seus pólens, deixando o chão úmido próximo aos espinhos. Tudo ficava mais arriscado. Sua vontade era de retroceder, mas dependia de Eric. Ela sequer conseguia se localizar ali. Estava vestida por uma camisa branca sem mangas, calça cargo, botas, uma jaqueta de couro presa à cintura. Fazia calor; sua pele estava manchada pelo contato com pólens urticantes. Ela evitava coçar. Cansada, repousou sobre uma rocha, pondo-se a observar Eric enchendo os cantis de água próximo ao rio. Reparou em como ele havia desenvolvido boa aparência.

Eric não parecia mais aquele garoto bobo que um dia ela conheceu. Alta estatura, maior que seu pai. Vestia-se por uma camisa longa na cor vinho, calça preta e botas. Devido ao uso precoce de carne sangrenta, ele desenvolveu músculos adornados. Quanto a ela, os seios cresceram consideravelmente e havia ganhado um pouco de cintura. Curiosamente, seu cabelo ruivo teve seu cheiro doce intensificado. Susanna havia conhecido poucos homens na vida, mas estava certa de que Eric tinha mais força física que a maioria. Ao mesmo tempo, certa graça. No pescoço, ele carregava um talismã que havia ganhado de sua vó no fim de outono. A joia armazenava em seu interior uma pequena foto dele criança ao lado de sua falecida mãe.

— Su, percebeu que estamos no lugar errado? — Eric perguntou, olhando para ela.

— Como assim? — Susanna se assustou com a pergunta, saindo do mundo imaginativo.

— Meu pai espalhou caçadores por todas as partes. Deste modo, ele protege o perímetro e garante nossa segurança. Mas nós não estamos sendo vigiados de perto... O que você acha de continuarmos perdidos de propósito? — ele falou com olhar orgulhoso.

— O quê? Está falando de escapar? — ela o olhou surpresa.

— Por que não? Não quero matar um animal inocente apenas para que meu pai tenha mais uma história a ser contada — ele mantinha o mesmo ar convencido.

— Desde quando você é um bastião da defesa animal? — ela retrucou, cética.

A resposta dele foi um sorriso bobo. Ela se sentiu afrontada porque não teve resposta das suas dúvidas.

— E para onde vamos? — Ela não conhecia a floresta tão bem quanto ele, então sentia certo temor. Sua pele estava ferida em algumas partes. Andar por ali não era fácil. Colocar a jaqueta a protegeria, mas a mataria de calor.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora