Capítulo 24: Retorno dos pesadelos

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Primavera, 3° dia.

~•~

O sol estava se pondo, anunciando o final do dia. Susanna se recolheu para seu quarto após um bom banho. Ela se olhou no espelho da penteadeira, viu seus cabelos ruivos mal cortados, suas unhas gastas de tanto roer. Ela se sentia culpada. Era estupidez. Mas de alguma forma havia sido displicente nos últimos anos. Eric não demonstrava estar magoado por ela não ter correspondido aos seus sentimentos, mas ela mesmo se distanciava. Ela se sentia fria como uma boneca de porcelana.

Por que eu não percebi?

Eric sempre foi muito gentil, e ela nunca deu atenção. Por muito tempo se privou dos privilégios da Mansão por puro ressentimento. Estudava tudo sobre história, sobre lendas e habilidades místicas, apenas para não lidar com que havia dentro de si, pelo menos não de maneira sincera. Suas motivações eram raivosas e dúbias.

Era por isso que Leonor a criticava, dizendo que era desequilibrada. Por isso Eric se frustrava. Por suas imperfeições, Susanna prejudicava seu relacionamento com outras pessoas. Também lembrou do seu primeiro ano, quando adoeceu as irmãs gêmeas de Eric com um simples toque. Ela se sentia como uma contaminação.

Eu não posso ser tão ruim assim.

Não era como se ela fosse oca; tinha muitas paixões, mas se sentia sempre tão raivosa. Nem mesmo notava essa raiva na maior parte do tempo, pois ela era muito silenciosa, uma insatisfação discreta e que a corroía.

Susanna estava com a mente agitada antes de dormir, pois lhe vinha esses e tantos outros pensamentos. Não teve forças para estudar como sempre fazia. Eric vinha a mente dela, levando-a a imaginar hipoteticamente diversas situações em que poderiam ser um casal. Apenas exercícios de sua mente para tentar entender as hipóteses diante de si. As possibilidades que talvez não tenha visto.

Se eu não fosse tão amaldiçoada, eu poderia ficar com ele. Ela afastou o pensamento.

Depois voltava a imaginar o que faria se não estivesse presa ali. Se eles pudessem fugir definitivamente... Ela ria de si mesma, mas com gosto amargo. Sentia que estava fria, como se nenhuma sensação fosse relevante a ponto dela guardar no peito; no fim, só o que restava eram sentimentos negativos. O cansaço se fez presente e, depois de muito tempo pensando, ela adormeceu.

...

Susanna estava em outro lugar. Numa mansão de pedra. Castiçais nas paredes emitindo suas ondas bruxuleantes por todo o salão. Olhou para seu corpo; estava trajada por um longo vestido negro com detalhes em renda e mangas de cetim. A cama era semelhante a da Mansão do Vale, porém mais robusta com os lençóis em cor bordô. Ela pôs seus pés no chão gelado, mal podendo senti-lo com os tatos dos pés. Levantou-se depressa e correu para uma cômoda, onde havia um espelho quebrado. Ao olhar além dos trincados, viu a si mesma. Cabelos vermelhos intensos, pele brilhante, pálida e sem vida. Ela sentia muito frio, nem mesmo as tochas a aqueciam. Suas unhas estavam escuras.

"Olá, majestade", ela ouviu alguém chamando-a com uma voz rouca e seca.

Com o susto, ela se virou, deparando-se com um esqueleto de pele seca sobre os ossos. Estava bem trajado, porém com cabelos podres. Carregava um balde, donde pôs a mão; e, de lá, tirou um órgão apodrecido.

"Minha rainha, eu trouxe seu coração. Você o perdeu outra vez", disse o esqueleto empunhando o órgão sangrento.

Susanna se horrorizou com o que via. O medo parecia absolutamente real. Ela pôs a mão no peito e sentiu apenas seus ossos sob a pele, nenhuma pulsação.

"Eu estou morta?", ela perguntou. Olhava para o fundo das órbitas oculares do ser diante de si, vendo uma pequena luz verde no profundo escuro.

"Você é a herdeira de Feltis, majestade. A morte sempre foi seu destino."

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora