Capítulo 11: Dominação do mais fraco

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Ano 439.
Outono, 91° dia.

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Quando Leonor voltou a dar aulas, Susanna soube que as gêmeas tinham melhorado da doença, o que a deixou aliviada, mas não amenizava o sentimento que tinha de ser um peso. Era início de inverno, o penúltimo dia de treinos de luta física antes que o frio chegasse, e somente o que ela havia recebido eram mais pancadas.

"É patético como você é desleixada com o corpo, cara-de-verme. Para piorar, suas mãos queimadas são fracas. Você não nasceu para ser uma lutadora. Desista! Você nunca superará Eric em uma batalha. Nunca terá o bastão dado por seu pai!"

As palavras ácidas ditas por Leonor queimavam no coração da garota. O presente que seu pai havia lhe dado poderia trazer alguma resposta do motivo dela ter sido deixada naquele lugar. Leonor não tinha o direito de tomá-lo. Isso fez com que Susanna saísse triste da arena. A verdade era que ela estava cansada.

Às noites, ela se recusava a dormir. Pegava uma lamparina a óleo na cômoda da sala da lareira morta e, envolvida pelas sombras dos corredores silenciosos à noite, ia à biblioteca. Cada dia, uma seção diferente. Buscava todo e qualquer conteúdo sobre a alma, sobre as habilidades de Helonys. Ela pensava que se Eric era um lutador, ela somente poderia sobrepujá-lo com aquilo que fosse mais forte nela: a sensibilidade.

Um desses livros lidos pela garota se chamava: "O último diário antes da morte de Diones Hefran."

Hefran O Sábio havia sido um herói místico de Helonys, terra natal de Susanna, ainda assim, a garota tinha lido pouco sobre ele. Em sua antiga vila não haviam muitos registros, e os livros trazidos por sua mãe das expedições constumavam ser um bocado aleatórios. Empolgada, a garota abriu o livro em forma de diário e começou a estudá-lo. Logo nas primeiras páginas, descobriu o porquê de Hefran ser conhecido como um grande pesquisador. 

Estava escrito com as palavras dele:

"Enquanto o corpo é o receptáculo e a alma é a identidade de um ser, o espírito é a força que os conecta. Isso se tornou fato após um amplo estudo de minha parte sobre a vida e a morte de Feltis, a lendária rainha que recebeu a Essência do deus Anturium; pois, através desta energia misteriosa no corpo dela, tornou-se evidente todas as relações entre os três componentes da vida".

Susanna leu muito mais e, em todo o estudo, Hefran parecia não julgar Feltis; apenas um grande interessado em entendê-la. A rainha de outrora possuía a marcação da dualidade compaixão-rancor, desenvolvendo-se na compaixão e sendo criadora de poderosas técnicas curativas. Com um só toque, ela podia reverter até mesmo doenças físicas como a cegueira.

Também estava no livro:

"Esse fenômeno me chamou atenção, pois foi o chamariz para que eu percebesse que o espiritual afeta o corpo. Se a cura pode ser feita, a doença também. Como vivíamos em guerra, por muito tempo estudei uma forma de debilitar meus adversários através do sentimento que eu suprimia: o rancor. Essa seria uma forma de eu compensar o fato de que nunca fui um hábil guerreiro e de que a compaixão para nada servia naquele tempo. Eu percebi que aqueles meus ressentimentos poderiam ser úteis..."

Susanna folheou algumas páginas até chegar a algo que lhe chamou a atenção:

"Através da sensibilidade, cada alma irradia sua aura, o que possibilita a Empatia, a capacidade de compartilhar sentimentos. Quanto mais sensível uma pessoa é, mais irradiação. Os empáticos, por sua vez, podem sentir essas auras com o devido tempo e treino. Aos treze anos de idade, um místico está totalmente maturado e pode ser considerado adulto, pleno para o uso da Empatia."

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora