Capítulo 13: Pavor adormecido

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Inverno, 3° dia.

~•~

Susanna ouvia a madeira da estrutura daquela cabana estalar com os fortes ventos de inverno. As ondas do lado de fora se agitavam e explodiam contra as rochas. Era nítido o cheiro de peixe ali, que de certa forma, lhe remetia ao porto de Helonys.

Quando vivia em sua terra natal, ela ouviu muitas histórias de barqueiros. Uma delas, a que mais lhe marcou, contava sobre um gigante que habitava no fundo do mar. Voraz, devorava navios, nadadores, qualquer perdido sobre a superfície aquática. Aqueles ingeridos se tornavam metade gente, metade peixe, e eram sentenciados a viver eternamente na escuridão abissal como espíritos guardiões da água.

Essa história a atormentou por muito tempo. Devia ter uns quatro anos. Passou a ter pesadelos com pessoas com cara de peixe, o suficiente para adquirir trauma por imensidões aquáticas e criaturas da água — algo bem negativo para quem morava em região praiana. Também se apavorava pelos olhos fixos de um peixe. Sua mãe os preparava, assados ou cozidos, e só depois a garota os podia ver.

Susanna reparava na beleza da água e das ondas, mas nunca entrou em alto mar. Seu maior feito foi pôr os pés nas ondas rasas, mesmo tremendo enquanto seu pai segurava suas pequenas mãos geladas, buscando ajudá-la a superar o pavor. Nunca se esqueceu. Talvez esse tenha sido seu maior contato com o terror. Mesmo que ela lidasse com o medo desde pequena, nada se comparava a isso.

Na Casa Rochedo, Susanna via-se assombrada por tudo isso. Ouvia o som da água durante a noite, ecos graves estrondosos como de uma criatura no rio. As ondas sonoras pareciam atravessá-la como flechas mortas, arrancando-lhe um pouco da vida a cada vez. Ela não fechou os olhos. Nem poderia. O frio penetrava sua carne como navalha. Seus joelhos sangravam. Toda aquela umidade apodrecia a ferida dos joelhos pouco a pouco. Delirava, vendo seus cortes se transformando em guelras. Sua pele começando a escamar.

Que sofrimento terrível. Quando ela se acostumava com doses pequenas, a vida parecia querer oferecer mais.

"Amaldiçoada..."

Sob o reinado noturno, conforme a escuridão tomou a pequena cabana de metal, seu pavor aumentou. Interiorizou, desejando que aquele medo passasse. Pedia forças a Hefran, seu herói, mesmo que acreditasse que os mortos não a ouviam. Estava sozinha, desesperada, tremendo, quase congelada.

Queria sentir raiva de Leonor, ódio pelo que havia feito com ela, qualquer sentimento de luta que a fizesse sair daquela condição horrível, mas não conseguia. A única coisa que lhe servia era a petição contínua que aquele momento passasse. Preparou a mente para uma noite tortuosa. Cada segundo parecia durar dez. Cada ruído vindo do lado de fora, um motivo para seu coração disparar. Chorava. Lamentava.

Ela aguentou o quanto pôde. Em certo momento, quase perdeu as esperanças. Jamais teria previsto uma visita durante a madrugada. A porta de metal foi empurrada, e Nayoung, sua criada, encontrou-a jogada ao canto, recolhida, pálida, com o pescoço roxo, como se sufocasse por falta de ar. Não imaginou que ela estaria tão mal. Eric não sofreu tanto quando foi posto ali anos atrás.

— Pequena, o que há com você?! — A mulher se desesperou. Poderia ter as duas mãos cortadas se fosse vista ajudando Susanna, mas não pensava nisso naquele momento.

Aproximou-se e observou os joelhos feridos da jovem. Saiu para fora do casebre, buscando uma semente de yukuku na floresta. Trazendo para dentro, levantou parcialmente a máscara que cobria seu rosto, mordeu o fruto, e espremeu o conteúdo líquido por cima dos joelhos feridos de Susanna.

Inundada pela dor, a garota não deixou de notar o rosto da criada pelo breve momento em que o viu — todo coberto por cicatrizes de queimaduras.

A seiva da yukuku se enrijeceu onde foi derramada, cristalizando o sangue que escorria pela perna. Ajudaria no estancamento do sangramento; uma camada de proteção contra impurezas, detendo a infecção que se alastra facilmente no corpo místico. Nayoung arrancou pedaços das mangas de sua túnica branca e usou para amarrar como ataduras. Sabia que era inverno, então a cobriu com algumas cobertas que havia levado.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora