Capítulo 31: Vale de Horror

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Outono, 91° dia.

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Susanna vagava sem vida, desestruturada emocionalmente como se pressupunha para alguém que havia visto seu povo e sua história sangrar. O vento fazia-se mudo perante os ouvidos dela e sua vista estava para outro lugar que não a floresta diante de si. Recebeu a ajuda de Eric, sendo levada a entrada de uma grota, onde poderia descansar. Sentada na areia, encostada na rocha, Susanna levava a mão ao rosto e aos cabelos, chorando. Viu seu aliado se agachar próximo a ela e pedir encarecidamente que ela se acalmasse. A tarefa era difícil, ainda estavam na Ithília, e Susanna deixava rastros sentimentais intensos pelo caminho.

— Minha pele está ardendo muito — ela pediu, esmorecida. Eric agiu prontamente, retirando com sutileza o casaco dela. A pele de Susanna estava toda queimada superficialmente, com algumas bolhas de sangue.

Eric não conhecia a vegetação daquele país para tratá-la devidamente; fez o que achou melhor. Foi até algumas folhas côncavas de árvores que haviam acumulado água da chuva recente e despejou o líquido sobre a ferida das costas dela de modo que aliviasse a queimação. As presilhas do sutiã dela a machucavam. Susanna pediu que Eric as removesse, enquanto ela segurava a parte frontal da peça de roupa para que não caísse. Depois disso, ela se recolheu, ficando quieta, buscando forças para suportar.

Eric se afastou; pegou seu machado e se pôs a vigiar a entrada do local, ficando de costas para ela. Atrás de onde Susanna estava, era protegido naturalmente pela caverna, o que não eliminava totalmente a possibilidade de haver um espiritualista lá dentro.

Susanna tentava se conter, mas o choro entalava sua garganta, inundando seu rosto, seus olhos e seus lábios. A sensação de tristeza aliviava em parte seus traumas físicos, seu corpo perdia a rigidez de antes. Com a mente mais clara, ela tentava entender; o que era em vão. Só via a si mesma para culpar e desferir seus flagelos emocionais que vinham como faíscas.

Passado alguns poucos minutos, ela voltou a vestir as peças de roupa, ainda que estivesse dolorida. Ela chamou Eric, pois precisavam partir o quanto antes. A ideia de voltar a Helonys foi arriscada; agora eles corriam o risco do bando de espiritualistas encontrar o corpo do soldado que ela torturou e, através das lembranças, saberem sobre sua presença na Ithília.

Eric a ajudou a se levantar, ofereceu seu braço, conduzindo-a pelo caminho. Ela estava fraca, com os ossos doídos; o que era evidente por suas expressões.

O jovem não sabia como descrevê-la. Susanna era imensamente forte, ao mesmo tempo que parecia frágil e ferida. Ela sempre apostava alto em tudo que se propunha. Ia até o fim. Ele a admirava por isso, mas também se preocupava.

— Como você fez aquilo? — ele perguntou, cuidando dela a cada segundo. — Como invocou aquela criatura de pele queimada?

Ela o olhou de volta; via como ele estava nervoso.

— Aquilo foi um campo sentimental... — ela tinha dificuldade na fala, porém de uma forma diferente de antes, quando invocou o demônio queimado; parecia apenas cansaço.

— Nenhum dos oitos sentimentos primordiais pode gerar aquilo — ele analisou. — Foi o Ódio?

— O sentimento não era meu — Susanna respondeu. — Eu absorvi as lembranças de Agonia daquelas pessoas mortas... de quando morreram e sofreram, e projetei através de uma maldição. A criatura era uma expressão dessa dor. E quem estava dentro do campo sentimental pôde vê-la e senti-la, porque estava delirando sob os efeitos dessa dor.

Eric sentiu um arrepio na espinha. Agonia era o terceiro e último estágio do Medo. Sentimentos de segundo estágio ou superiores não podiam ser gerados artificialmente por místicos; tais sentimentos deviam ser absorvidas de lembranças reais, e Susanna havia feito isso através de corpos mortos. De todo modo, ela já estava no segundo nível da Empatia: compartilhamento, capacidade de partilhar sentimentos com o oponente; o que indicava que ela havia evoluído muito sua sensibilidade.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora