Capítulo 17: Caçadora da morte

49 4 60
                                    

Ano 440.
Inverno, 8° dia.

~•~

Os preparativos para a próxima caçada de Susanna começou logo cedo no dia 8, data em que comemorava seus onze anos de idade. Estava frio e os primeiros flocos de neve começavam a cair, um sinal de que deviam se apressar. A garota vestiu a roupa de caça que Nayoung lhe presenteou: o casaco de pele, a calça de couro curtido, a bota e a boina felpuda que lhe cobria as orelhas. Não se esquecia de seu pingente de prata. Sempre o carregava consigo, escondido entre as roupas.

Antes que saísse com Klaus e Eric, Susanna se deparou com uma surpresa desagradável. Como se a caça forçada não fosse um castigo bastante, Leonor a interceptou no hall. A anciã vestia roupas de neve: um sobretudo negro, luvas pretas e cabelo amarrado em coque; botas longas, bem camufladas com a roupa.

— Você não achou que eu perderia sua primeira grande caçada, achou? — disse Leonor, maior que todos. Klaus atingia a altura do ombro dela, Eric mal chegava à cintura.

— E quanto a Lia e Lara? Elas não podem ficar sozinhas. — Susanna se preocupava com as gêmeas, mas na verdade temia que a anciã fosse junto com eles.

— Nayoung cuidará delas. Não que seja da sua conta, mas ela tem demonstrado ser uma criada confiável.

Vendo a tranquilidade de todos ali, Susanna se sentiu um pouco paranoica por estar nervosa, mas não seria infundado seu pensamento de que a presença de Leonor fatalmente significaria algo ruim. De toda forma, era inegável que em breve ela mancharia as mãos com o sangue de algum animal. E esta talvez tenha sido a sensação mais próxima do pânico que sentiu desde a Casa Rochedo. Ela se deparava cada vez mais com o sentimento de que não tinha controle sobre sua vida.

O primeiro momento da caminhada fora da Mansão foi muito tranquilo. O vento intensificando a notória emissão do cheiro perfumado do manto de folhas congeladas e do lodo vermelho que se formava. As árvores mutantes, de altos troncos, que na estação passada se encontravam repletas de flores amarelas, roxas e vermelhas, agora perdiam suas folhas. O sol da manhã passava entre seus feixes, clareando aleatoriamente alguns troncos castanhos ressecados que se impunham como colunas no arvoredo.

Susanna avistou alguns casais de leprinos pulando sobre a relva. Os pequenos peludos de orelhas pontudas, pequenos chifres e caldas longas, tinham a sorte de Klaus estar em busca de um animal de grande porte. Os estoques de inverno estavam lotados, mas ainda havia um espaço reservado para a primeira morte de uma nova caçadora.

Eric, vestido todo de negro, parecido com sua avó, aproximou-se da garota. Ela tinha o rifle em mãos; ele usaria apenas sua mente.

— O que está fazendo aqui? — perguntou ela, vendo-o tão próximo. Em situações comuns não acharia problema, mas com Leonor ali tão próxima, temeu que ela pudesse se incomodar.

— Você deve caçar um animal de grande porte. Eu vou te ajudar a rastrear — falou ele, como se para a acalmar.

Susanna ficou aliviada em ter um apoio. Ainda passava por desconforto, mas se permitiu respirar fundo. Leonor caminhava atrasada em relação a eles. A garota sentia o par de olhos a todo momento nas suas costas. Ainda tinha esperança que tudo ocorreria bem.

Ela cutucou Eric. Queria que ele a visse.

"Por que ela está aqui", disse sem emitir som. Começava a praticar a linguagem não falada, algo necessário para as caçadas.

"Não sei. Fique tranquila. Se levarmos uma caça para casa, não irá acontecer nada de mal", ele respondeu.

Susanna confiou. Embora o julgasse como alguém bobo no começo, passou a ter certeza de que ele sabia lidar com Leonor melhor do que ela. Afinal, ele parecia infeliz tanto quanto ela, porém não sofria nenhum mal. Ela chegou a ponderar que se resumia a um privilégio da parte dele, mas não era somente isso. Havia um segredo em Eric, e ela gostaria de tentar ser menos tola.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora