Capítulo 12: Declínio

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Ano 440.
Inverno, 3° dia.

~•~

Leonor se recusava a acreditar no que havia acontecido logo ali, diante de seus olhos. Sentada sobre o banco de pedra, ao lado da arena de treino, abandonou a pose de desdém, pondo-se de pé, atormentada pela possibilidade de seu neto ter deixado que a garota implicante vencesse a luta.

Ela utilizou de seu sexto sentido para vasculhar a alma de Eric, algo que havia jurado a si mesma não fazer. Fechou seus olhos por um segundo, migrando seus sentidos para ele, atentando-se à outras percepções invisíveis chegando a ela como um calor na nuca com destino ao coração. De repente, sentia tudo o que o garoto sentia, analisando tudo por seu intelecto, encontrou apenas medo, surpresa e dor.

Com os sentidos de volta ao seu próprio corpo através de um calafrio, a anciã observou Susanna levantar de cima do garoto derrotado, vir até diante dela, e executar uma reverência convencida.

— Eu derrotei seu garoto prodígio, madame Leonor — disse a garota, cheia de si. — Onde está o bastão que meu pai me deu? Este é o prêmio que você me prometeu, não é? — Ela parecia tão satisfeita...

Leonor a olhou com incredulidade. O que aquela peste fez? Trapaceou, certamente. Mas como? A anciã se sentia inútil por não ter percebido as garras venenosas daquela menina. Uma vergonha absoluta. Teve os músculos de sua face eletrizados, seu sangue fervente, segurando a si mesma para não descontar sua fúria como um cão raivoso, sem motivos plausíveis, e perder sua credibilidade por conta de uma vermezinha.

Apenas encarava-a ali, diante de si, exigindo algo para que não estava preparada.

Não podia negar a ela, no entanto, pois havia dado sua palavra e não tinha a si mesma como alguém instável, que hora diz uma coisa e hora diz outra.

— É claro — respondeu Leonor de forma serena, contrariando o que de fato sentia. Certamente precisava de mais tempo para digerir tudo aquilo.

Por hora, só restava aceitar.

~•~

Enquanto Eric foi à enfermaria para exames, Leonor conduziu Susanna ao terceiro andar da Mansão. Passaram por algumas salas que pareciam ter a aura de sua senhoria: misteriosas, quase sem cor, dotadas dos mais insignificantes detalhes incrustados em ouro negro — como o broche de corvo que Leonor utilizava sempre, prendendo-lhe a capa do vestido.

A alta mulher andava a frente. Ela nunca caminhava com braços soltos; mantinha os dois próximo ao ventre, numa posição semelhante a de carregadores de incenso.

— Espere aqui — ordenou a anciã de maneira retumbante, deixando a garota anteriormente à porta, então adentrou num cômodo extenso repleto de objetos antigos sobre estantes de madeiras carmesins. Leonor utilizou as chaves presas na presilha sob a capa de seu vestido para abrir um cofre de ferro oculto na parede.

Quando retornou até a garota, entregou-lhe o pequeno bastão.

Susanna o apertou entre os dedos, sentindo a aspereza não tão rude da superfície bronze. Mal se lembrava dele. Tinha o tamanho aproximado do antebraço dela. Haviam inscrições rúnicas em hexaglio, a lingua comum, que diziam: "compaixão, alma, amor, sacrifício, sentimento, lealdade, tradição".

— Tome cuidado com ele — aconselhou a veterana. Seus olhos carregavam a escuridão de sua alma naquele momento. — Estou entregando-o por causa da minha promessa, mas não mexa nele. Seus pais virão aqui no seu aniversário daqui há alguns dias e te ensinarão tudo a respeito.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora