Capítulo 14: Dias dourados

55 4 54
                                    

Inverno, 5° dia.

~•~

Iniciava-se o segundo dia em que Susanna estava aprisionada naquela cabana; notava-se pela luz que entrava por debaixo das folhas de metal que compunham as paredes. Caída no chão úmido, ela quis se convencer que o dia era menos terrível que a noite, o que não era absolutamente verdade.

Já não ouvia mais o som da criatura do mar, não morria de frio e não se apavorava com as sombras. O sol de inverno, tão luminoso, secava gota a gota o interior, refletia nas folhas de metal e voltava aos seus olhos. A garota mantinha-se deitada ao canto, fraca. Lágrimas vagarosas escorriam de seus olhos aquecidos. A garganta doía por tanto chorar, mas seu coração ardia. Tocou o pingente pendurado em seu pescoço, feito de prata, com um símbolo de mariposa. Esse gesto trazia a ela boas memórias.

Susanna amava ser quem era. Algo que lutou para não esquecer durante os dois anos longe de casa. Então se lembrava. Mesmo que os bons momentos já estivessem tão distantes...

Dois anos atrás...


Era meio dia e o sol dispersava seu brilho intenso sobre a copa das altas árvores de Helonys. Muitos o chamavam de "falso sol de inverno", pois embora fosse mais luminoso, não aquecia como de costume.

Seguindo sua mãe, Susanna caminhava calma. Carregava as sandálias nas mãos, pois gostava de sentir a areia entre os dedos quando chegava próxima a capital. A garota se dedicava aos mínimos detalhes: as flores, os pequenos insetos, o cheiro dos frutos exalando no ar. Ela amava fazer aquela rota. Sentia-se confortada ao saber que sua mariposa a acompanhava lá do alto, sob a luz alva do sol como tinha sido treinada, de modo que se camuflasse com sua cor branca e os predadores alados não a vissem.

Quando as torres verdes apareciam no horizonte era sinal de que haviam chegado. Além do tráfego de várias pessoas em Helonys, alguns animais domesticados apareciam, ou como chamavam na língua local, "Kalosi".

— Vamos, querida, concentre-se — pediu Kahli, sua mãe. Ela tinha cabelos castanhos ondulados presos num coque lateral. Vestia uma bata longa de cetim carmesim sobre vestes simples, uma pulseira de pedra rosa no pulso direito.

Embora Susanna tivesse certa admiração por sua mãe, considerava que ela não conhecia muito bem os costumes dali, pois era nascida de outra nação. Intencionalmente, a garota cometia o erro de se aproximar demais das criaturas que via. Não sendo diferente daquela vez, afastou-se, indo abaixo dos altos galhos das árvores-permesi que entrelaçavam seus galhos a vinte metros de altura por sobre a cidade. As flores, pequenas e rosadas caíam das copas como neve e a tudo cobriam.

A garota ruiva se encantava pelos neátilos que desciam e subiam através dos cipós para pegar sementes de yukuku na beira dos rochedos. Os pequenos mamíferos de orelhas pontudas vinham até ela sempre, e ela lhes jogava as sementes da fruta amarela, talvez a mais abrangente em Kaedra e que eles mais gostavam. Com o passar das idas e vindas, eles perderam o medo dela. Tinham olhos grandes suplicantes, cauda felpuda e um focinho curto que ela achava muito fofo.

Sua mãe uma vez perguntou por que ela não escolheu domesticar um daqueles bichinhos, tão inteligentes, tendo escolhido ao invés disso uma mariposa, animal que todos diziam derramar um pó por onde voa, capaz de cegar. A garota lembrava de ter respondido que tinha carinho pelos rejeitados.

Chegando ao centro da cidade, Susanna apreciou o cheiro dali. As pedras verdes das construções de Helonys e seu aroma de chá. O clima fresco da maresia. Ela adorava.

O Rancor da Mariposa (Saga Kaedra - Lembrança)Onde histórias criam vida. Descubra agora