Capítulo 31

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Suas desconfianças não me atingiram, porque meu coração estava contente com as migalhas que me foram jogadas. Ele me traria meu filho, ele traria o meu bebê aqui.

Ansiosa, mal consegui parar em um canto, contei os segundos até que a porta foi aberta e lá estava meu homenzinho que aparentemente engordou e está crescido.

— Meu neném. Que lindeza.

— Sou homem, mamãe, não é papai? Agora eu sou homem.

— É um homenzinho mesmo.

Não aguentei de saudade e o abracei, beijei onde pude e procurei por algo de errado, que graças a Deus não havia. Devo reconhecer que eles cuidaram bem do meu filho e isso acalentou meu coração.

Passei as próximas horas brincando em sua companhia, enquanto Douglas tomava conta do sofá. Ele me disse que meu filho dormiria comigo e estava com a expectativa de que esse momento fosse apenas nosso, como antigamente. Porém, não se moveu.

Fiz uma janta especial para nós e o vi devorar tudo muito rápido como sempre, Lucas ama quando cozinho e isso me deixa envaidecida, e como um intruso, Douglas fez o seu prato e se sentou conosco.

A minha vontade era expulsá-lo, mas aguentaria, primeiro precisava matar a minha saudade, depois pensava em reagir. Eu estava feliz pelo momento.

A companhia de Lucas é sempre a melhor possível, meu filho era esperto e sua curiosidade não o permitia ficar parado. O único instante que isso acontecia era quando assistia a seu filme favorito, que por sinal tinha todas as falas decoradas. Perdi a conta de quantas vezes assistimos ao mesmo. E depois de deixar tudo organizado, eu fui para o meu quarto tomar banho, para assistirmos ao filme, para a minha surpresa, Douglas já havia colocado o pijama nele e ambos estavam deitados na minha cama.

— Vem mamãe, vai começar o filme.

Ele se arrastou para mais próximo de seu pai, para que eu tivesse algum espaço. Fiz questão de esconder meu desconforto. O meu bebê estava isento à situação que nos cercava, e se pudesse manter a sua inocência, eu faria.

Ouvi a sua gargalhada em certas partes e isso me fez rir. Olhava seu sorriso e tentava acalmar meu coração, que talvez depois de tudo isso Douglas nos deixe viver em paz e pare de me ver como inimiga. Era tudo o que eu mais queria. Essas duas semanas foram as piores que vivi e descobri que sou capaz de estender a bandeira branca para ele, se significasse que viveríamos em paz novamente.

Se ele aceitar a trégua, eu também o faria para evitar esse sofrimento.

Encarei ambos ali ao meu lado e uma confusão me tomou.

Desperta, Mariana, esse é um caso que você não tem escolha.

**********

Para a minha felicidade, Lucas não foi para a escola no dia seguinte. Fiquei com ele no período da manhã, e graças a Deus, Douglas nos deu privacidade.

Fiz perguntas que as mães fazem quando estão preocupadas com seus filhos quando vão com outras pessoas. E meu filho todo animado me falava que o papai era muito legal, a vovó Adriana cuidava bem dele, mas que sentia a minha falta junto deles.

Tive que inventar alguma história por não estar presente, e ele tão gentil aceitou as minhas explicações.

Meu coração começou a ficar apertado quando um homem junto com Adriana apareceu e o levou, me despedi do meu filho porque não sabia do futuro, disse que o amava e que sempre seria o amor da minha vida.

Pouco depois, Douglas apareceu, vestido de forma casual com um boné cobrindo o rosto parcialmente, além de uma blusa de manga cumprida preta.

Estava na hora.

Eu que sempre corri pelo lado certo, participaria de um roubo que poderia mudar a minha vida.

— Se troca, nós estamos indo.

Uma palpitação forte e um medo me consumiram. Como eu conseguiria fazer isso? Como ele me obriga a fazer isso?

Ainda assim fui até o meu quarto, me vesti de roupas confortáveis como se fosse uma turista e amarrei meu cabelo em um coque alto, não deixei nenhum fio escapar para que ficasse no lugar, como sempre fazia na academia.

Pelo que eu entendi, iríamos separados, e em certo ponto nos encontraríamos, mas como e onde, não me foi dito.

O frio na barriga me acompanhou até o momento em que apareci na sala e recebi os olhos de Douglas sobre mim. Tive o vislumbre de que sua raiva foi atenuada, porém, logo voltou ao rosto sério.

Assim que entramos no carro, ele abaixou a cabeça no volante e parecia fazer uma prece. Aquilo me tocou. São raras as vezes em que consigo ver humanidade neste homem, e esta foi uma.

— Você está orando?

— É bom deixar Deus na direção, se eu fosse você faria o mesmo. — O encarei confusa. — Nós sabemos que estamos indo, mas não sabemos se voltamos.

Se a ideia era me assustar, conseguiu, mas em hipótese nenhuma não voltar seria uma opção. Eu estaria viva para ver meu filho crescer e espero que esse desgraçado não esteja armando nada para mim.

Em silêncio vi quando ele saiu da favela e foi em direção à pista.

A cada segundo avançado, era uma descompassada do meu coração. Não acreditava que ele estava me forçando a fazer um roubo.

Não era um simples roubo, era um grande saqueamento em uma cidade. Aparentemente seu bando é especializado nisso, e não é qualquer pessoa que entra, percebi pela moral que ele tem lá na comunidade e até mesmo com os membros.

Deixando as desavenças de lado, consigo ver a inteligência de Douglas, a maneira como ele arquiteta os passos nos mínimos detalhes é de deixar qualquer um de cabelo em pé por uma mente tão brilhante. E está explicado porque até aqui só se ouviam histórias sobre esses ataques que acontecem de tempos em tempos. Sei que ele tem capacidade para ser mais, então não consigo entender o porquê de ele preferir essa vida.

Sei também que a maior dor na bunda da Polícia Federal são ladrões de banco, e não são qualquer um, são os como ele, que dão golpes cinematográficos e de deixá-los comendo poeira.

Não era a área que eu queria atuar, mas sempre ouvimos histórias sobre, e o último, pelo que temos notícias, foi há exatos dois anos e meio atrás. Cinquenta milhões foram furtados em uma cidade do Rio Grande do Sul, e nenhuma pista, apenas um posto da polícia explodido, agências destruídas, literalmente, e o grande golpe foi uma praça com vários bonecos em chamas, algo que nunca foi desvendado até hoje.

Bom, agora saberei exatamente como eles agem, e mesmo com o medo me dominando a curiosidade também é forte.

O único lembrete que eu preciso manter é que eu devo retornar com vida, custe o que custar.


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