Capítulo 16

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Coloquei a camisa verde e uma calça de moletom preta junto com o tênis e o casaco. Deixei meu bebê todo homenzinho e ainda passei perfume. Depois fui junto com ele até a sala onde o pai estava com a cara enfiada no celular, até que percebeu nossa presença.

— Qual foi filhão? Que porra de camisa é essa?

Palmeias, pai.

Tanto eu quanto Douglas nos olhamos espantados. Era a primeira vez que meu filho se referia a ele como pai em sua presença e isso desarmou qualquer discurso que ele tinha contra o time que meu bebê vestia a camisa.

— Como é que é? — Pegou ele no colo com um largo sorriso.

Nunca o vi sorrir dessa maneira, e devo reconhecer que esse preto não era só gostoso quando se portava sério, sorrindo ele era a oitava maravilha do mundo. Um calor até passou por minha intimidade, mas controlei. Foco no que realmente há.

Palmeias.

— Você me chamou de pai? Tu sabe, né, que sou teu pai?

— É o papai.

— Caralho, mano. É, sou teu pai.

Ele abraçou meu menino forte e por segundos vi emoção passar por seus olhos. Acho que a rivalidade dos clubes agora já nem importava mais, pois ele estava comovido demais com o que o filho acabou de dizer.

Pouco depois de eu preparar uma mamadeira de suco e colocar algumas bolachas na bolsa, os dois saíram. Pelo que Douglas falou, iriam assistir ao jogo na casa de um amigo. Pedi para ter atenção dobrada, porque meu bebê é um ótimo menino, mas às vezes pode ser levado. Com o filho, um enorme sorriso, comigo, rosto sério e palavras arrogantes.

Percebi que ele está meio estranho comigo e isso me trouxe um desconforto. Chega até a passar por minha cabeça que ele tenha descoberto sobre o meu trabalho, mas é obvio que não. Tomo devido cuidado para que nada saia comprometido.

Era mais uma noite dormindo sozinha naquela casa, contabilizando todas as vezes em que Douglas quis ter um tempo com meu filho, eram três vezes que eu tinha a casa só para mim, e isso não era nada confortante. Tanto que foi horrível dormir.

Acordei no outro dia um verdadeiro bagaço e devo reconhecer que meu foco hoje está um pouco deturbado.

Fui para o meu trabalho me certificando de que não haveria ninguém no meu encalço, como tenho feito nos últimos três meses. Falta pouco, mais um pouco e eu tenho a minha aprovação para ser aquilo que eu sempre busquei ser.

A minha visão de certo ou errado sempre foi deturbada, até eu entender o quão fodida foi a minha infância por causa das drogas. E seria fácil dizer que era somente tratar o dependente químico, mas aí seria simplesmente uma poda de uma arvore, logo os ramos voltariam através da raiz. Logo a minha poda deveria começar pela mesma. Estudei como louca, busquei as melhores referências e com honras passei em segundo lugar na prova da polícia federal, agora seriam mais cinco meses de treinamento para a minha efetivação como agente federal, e não aceitaria menos que isso. Meu foco é acabar com o tráfico de drogas ou fazer o maior barulho possível para que isso receba um desfalque.

Sei que é arriscado o que estou fazendo, ainda mais morando dentro de uma comunidade onde a marginalidade impera, mas eu sempre senti que não pertencia àquele mundo, tanto que não cultivo amizades com quase ninguém, a não ser Anderson, que decidiu entrar para essa vida quando eu já tinha um foco em minha mente. Não pude mudar a sua cabeça, assim como ele também não pôde mudar a minha. E isso tem sido um dilema, porque não posso lhe contar com o que realmente estou trabalhando e também peço que não me conte nada sobre sua rotina ou vida. Assim que conseguir a minha aprovação, irei me mudar de estado, começar uma nova vida e isso são só por mais alguns meses, apenas isso e terei a minha vida nova. Trabalharei com o que sempre acreditei e darei uma boa vida ao meu filho.

Assim que cheguei no centro, cumprimentei alguns colegas e fui para o vestiário me trocar e colocar roupas adequadas, devo confessar que a sensação de ter uma arma em minhas mãos é a melhor possível, tanto que no alvo não há ninguém melhor do que eu, nem homem e nem mulher. Eu me orgulho disso, tenho batalhado para conquistar essa posição e sei que é a colheita de uma árdua semeadura. Mais um dia muito bem proveitoso em tudo que me prontifiquei a fazer.

Sabendo que meu filho estava com a dona Miranda, saí do metrô e fui caminhando até a sua casa, hoje não pegaria ônibus, pois a noite estava maravilhosa e isso eu precisava aproveitar para limpar a minha mente.

Cheguei em sua porta e para a minha surpresa estava tudo apagado. Liguei e pouco depois ela apareceu com o rosto todo amassado pelo sono.

— Ué, menina, Luquinha não veio pra cá hoje não.

— Como não? O pai dele disse que traria ele no final do dia.

— Pois, não veio e nem ligou, até achei estranho, mas como quando acontece algo você avisa, pensei que você tinha ficado com ele.

— Tá certo, desculpa por acordar a senhora, vou ver o que aconteceu. Homens!

— Pois é, homens, menina, ainda bem que esse daí é responsável com o filho, só um pouco desnaturado.

Sorri para ela agradecida, não querendo entrar mais em detalhes e fui para a minha casa, no percurso que não era longo, saquei meu celular e liguei inúmeras vezes até que na sexta vez ele atendeu.

— Cadê meu filho.

— Se liga, porra! O meninodormindo. Vai passar a noite aqui comigo.

— Custava avisar? Estava aqui feito uma louca na porta da dona Miranda.

— Molequebem, pode se preocupar com tua vida.

E sem mais ele desligou. Só isso, deligou na minha cara como se eu fosse um nada.

Ai que ódio desse homem!


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