VIDA REAL

Capítulo 51

— Conforme foi dito, fizemos o proceder — disse Tróia.

— Certo, o corte foi da maneira que eu ensinei — afirmei incerta, precisava de certeza.

— Do jeitinho que cê falou, tem certeza que não vai boiar? O concreto já ia ajudar a segurar lá embaixo.

— Eu sei do que falo, Tróia.

— Tá certo, doutora, depois dessa, acho que ninguém se mete a besta contigo não, mandou ver, hein.

Ainda estava em estado de choque desde que chegamos em casa esta manhã. Ao contrário de Douglas que tomou um banho e foi dormir, eu revirei pela cama, custei a fechar os olhos porque o sangue queimava em meu rosto.

Perambulei pela casa e acabei aqui na área, olhando o sol das nove que brilha como nenhum outro. Até sentir o meu celular vibrar.

Como Douglas havia me dito, eu era cabeça, bastou apenas mandar e ninguém contestou, ninguém foi contrário. Depois do trabalho finalizado, a instrução era jogar o corpo de Rocha e da mulher em uma represa na região metropolitana de São Paulo, com concreto amarrado nos pés e com um corte abdominal para se caso soltassem, ninguém encontrasse os restos boiando.

É ciência. E novamente me pego pensando que fui treinada para combater e no final estou cometendo. Não eu, mas foram as minhas ordens, o que espantou Douglas, mas no fim tive um vislumbre de orgulho em seu olhar.

Quando ele me prendeu na parede, me seduzindo, tirando o meu foco da missão, era apenas isso. Estava me testando para saber se meu emocional atrapalharia a razão mais uma vez, nunca iria admitir que quase aconteceu, porque para ele, e até mesmo para mim, renascia uma nova mulher.

Não acho que seja capaz de voltar a ingenuidade que era antes, até porque depois de tudo o que passei e da sensação que isso me trazia, a Mariana que acreditava combater a injustiça com afinco estava morta.

— Acho bom, Eduardo.

— Quê? Como...

— Andando com Douglas, acha mesmo que me manteria ingênua? Não só você, mas como todos que estavam presentes, sei onde encontrar cada um.

**********

Dia vinte e um de abril, às dezoito horas e cinco minutos, exatos cinco anos atrás. Foi esse o primeiro instante que ouvi o amor da minha vida pela primeira vez. Não senti as dores, mas estava lá, segurando a mão de Raissa para que ela concebesse o nosso amor, sim, porque acredito que mesmo que ela falasse que não o queria, ela sentia, afinal ele estava em seu ventre.

O episódio que agora também fazia parte do passado, aconteceu há algumas semanas atrás, e agora por mais que tenha que andar com segurança, respiro mais aliviada, mesmo que houvesse chegado ao conhecimento dos interessados que a "Doutora" não lidava bem com ameaças e que era treinada para acabar com quem as fazia.

Fora disso, eu era a mãe preocupada e amorosa, a mulher rendida ao homem que me dava orgasmos incríveis e a admiradora da sogra que não falava muito comigo.

Não foi o tipo de família que planejei, mas foi a que me aconteceu. Não tenho do que reclamar, pois o Douglas tem sido maravilhoso e o mesmo me disse que não me queria envolvida nos assuntos da família, que foi somente aquela vez, para que eu impusesse respeito aos demais e não respirasse para sempre sobre ameaça.

Estou em busca do meu próprio negócio, me formei com honra, e mesmo que nunca tivesse o desejo de advogar, é o que vou fazer, não serei uma criminosa, e se não posso ser o que quero, utilizarei o meu diploma da melhor forma possível.

Porém, hoje os pensamentos estão todos voltados para o meu pequeno príncipe, são seis anos de muita luz, alegria e bênçãos que ele veio me trazer.

Adriana planejou toda a festa e está tudo muito lindo no tema do Relâmpago Mc Queen. As crianças convidadas foram dos conhecidos de Douglas, pedi que ele tivesse cautela sobre quem chamava porque o momento não era muito propício. Com tudo o que aconteceu, deveríamos ficar alertas por tentativa de qualquer represália, mesmo que estivéssemos resguardados pelo seu tio. Rocha tinha muitas pessoas que poderiam despertar o desejo de vingança por sua morte e não quero que uma guerra se inicie por causa de uma pessoa que sabia as consequências de seus atos. Meu único pedido foi que os seus filhos fossem amparados, porque não tinham nada a ver com toda essa situação.

Sobre o que ele falou a respeito de Anderson ter feito a ponte entre Raissa e o traficante não passou batido. Tenho certeza de que se ele estivesse aqui, eu iria em sua direção e a conversa seria outra, mas não estava, nunca mais estaria. Precisava esquecer e seguir em frente.

Tudo por culpa de um lar desestruturado, tudo por falta de apoio quando necessitou.

Bom, hora de esquecer o passado, tudo o que me aconteceu serviu de aprendizado. Tudo aquilo que eu não gostei de passar em minha vida poderei eliminar, para que meu filho não passe por situação semelhante. É dessa maneira na vida real, os problemas não podem ser contornados, devem ser resolvidos e se não tiver jeito, assumimos as consequências.