Capítulo 24

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Encarei ele, preocupada.

Como ele poderia sentir prazer em me torturar psicologicamente dessa maneira? Percebia que ele sorria sempre que me via em pânico, como fazia agora.

— Todo mundo que está aqui tem alguma revolta com a polícia, o sonho de cada um é descontar o que esses vermes fizeram com algum parente ou alguém próximo, mas ninguém tiraria da dona Adriana o prazer dela torturar um verme que faz parte dos que mataram o amor da vida dela.

— Porque você está fazendo isso comigo, Douglas? Já não disse que me afastei? Que nem cheguei a me formar, portanto eu não sou uma.

— Mas estava querendo ser. Escuta, garota, ninguém aqui deseja a sua presença, nem eu, mas se você insiste em ficar ao redor como um rato pulguento, tem que aguentar o que vier, ninguém aqui tem tratamento cinco estrelas pra ratos malditos!

Engoli em seco todas as suas palavras, porque quando saí de casa, saí decidida a não abaixar a cabeça para a sua arrogância, estou farta!

— Eu sinto muito te decepcionar, mas essa sua raiva está sendo desnecessária. Eu não sou quem você odeia, e se estou aqui é porque você não me deixa levar o meu filho embora.

— Bom ponto, você não é a mãe do meu filho, então meu advogado está vendo para tirar seu nome do registro.

E novamente o que eu mais temia veio à tona, um pânico descomunal me abraçou e eu me vi sem respirar. Quando fiz o registro de Lucas não foi por meio de adoção nem nada, eu simplesmente levei o meu documento ao invés do de Raissa. Qualquer juiz me tiraria o direito de permanecer com meu filho e por mais que ninguém soubesse disso, era algo que perturbava a minha mente e tirava meu sono, meu maior medo era alguém descobrir sobre, e aparentemente ele estava batendo na tecla correta.

— Não, Douglas, você não pode fazer isso. Fui eu quem estive lá para ele quando ninguém mais esteve.

— E já disse que é graças a este período que não te entreguei pra família. Favores quitados, você não é mais solicitada na minha casa.

Ele me deu as costas como se só o seu querer, a sua vontade importasse. Tentando me recompor, já que meu filho corria em minha direção, observei os homens ao meu redor. Notei que antes quando eu cheguei, muitos me encaravam de maneira estranha, agora nenhum olhar, nem sequer em cumprimento. Fiquei brincando com Lucas durante a tarde, enquanto os homens se divertiam, tanto na piscina quanto no campo de futebol. Anderson não se aproximou mais de mim e notei que ele conversou bastante com o tal Rambo, que mesmo que disfarçadamente, me lançava olhares. Ele com certeza sabia de algo.

Lucas, de tanto pular na água e correr no gramado, ficou bastante cansado, e mesmo eu insistindo para ir tomar um banho, não queria trocar de roupa para não sair da piscina, então começou o show que ele dá sempre.

— Nã, eu não quero, quero água, água.

Foi uma luta para que eu equilibrasse ele em meu colo e desse alguns passos, até que Douglas o tomou de mim.

— Pô, filho, que coisa feia é essa? Está cheio de sono aí e não quer descansar? Se não for agora eu vou pedir para tirarem a piscina.

Só assim para ele se comportar. Douglas ainda o carregou até o quarto e eu fui atrás, agradecendo por ele enfim se comportar.

Já no quarto, coloquei debaixo do chuveiro e depois de passado creme no corpo todo vesti o seu pijama, pensei que Douglas iria embora, mas permaneceu me observando fazer tudo. Tentando ser alheia a sua presença coloquei meu bebê na cama e balancei até que se entregasse ao sono enquanto cantava-lhe uma música. Não demorou muito, pois a sua luta era para sair da água, agora estava só esperando o soninho e lá se foi.

Deixei o abajur ligado e saí, fechando a porta acompanhada do pai.

— Ele sempre faz birra quando está com sono?

— Sempre, desde pequeno ele luta para dormir, mas no final acaba desistindo.

Ele apenas assentiu, e caímos em um silencio desconfortável.

— Estou indo em uma reunião com os caras, é pra tu participar – disse sério.

— Por quê? Você disse que não gosta de mim.

— E realmente não gosto, só estou buscando um motivo pra te matar sem pena.

Ele queria que eu ouvisse tudo que era falado, se algo vazasse sendo eu ou não, a culpa seria minha e ele me mataria como tem desejado a dias. Era esse seu plano? Não sei mais a que este homem me subjugaria, não sei mais a qual humilhação ele me sujeitaria. Mesmo com medo, eu o segui, porque se eu não fosse, era mais uma prova de que não abandonei a academia e seria também mais um motivo para me matar. Para todos os lados que eu olhava era uma arma engatilhada em minha direção, e eu só queria permanecer ao lado do meu filho, somente isso.

************

— Ela vai participar?

Todos me encararam quando um homem com o olhar mais psicopata que já vi apontou em minha direção.

— Mais um braço pra ajudar.

— Mulher? Qual foi, Mestre?

Anderson me encarou preocupado, perguntando que loucura eu estava fazendo da minha vida. Bom, para essa pergunta eu não tinha resposta.

— Ela só vai ouvir, alguma vez eu já fodi com nossos planos? Então caralho, pega a visão pra não dar chance pro erro.

O velho que conversava com ele quando cheguei e que depois passou um bom tempo conversando com Anderson me encarava sério, como se me conhecesse uma vida toda e soubesse os meus segredos mais sombrios.

— A próxima operação é em Águia Branca, Espírito Santo.

— Tem agência suficiente lá?

— Na última visita que fiz, vi que dava para levantar uma boa grana, se formos na data certa, pelo pagamento dos servidores públicos.

— Bora, nunca visitei o Espírito Santo, quero ver se lá tem gata. — Um outro, de sorriso macabro, esquentou as mãos com expectativa.

Pelo pouco que ouvi, esta é uma quadrilha especializada em roubo a banco em cidades pequenas, dessas que aparecem nas TV's. É isso mesmo?

Quanto mais eu descubro sobre o que me cercava, mais eu vejo a corda que estava em meu pescoço.

Nunca iria passar ilesa sobre tudo isso, e se a minha única preocupação era com Rocha, agora deveria me importar também com Douglas, ou Mestre, que foi como chamaram ele. Certa vez na academia ouvi falarem sobre a sede que tinham em pegar alguém desse bando para desfazer todo o resto, mas nunca conseguiram, pois eram muito articulados e não davam um passo em falso. Agora, olhando de perto, vejo como são inteligentes. Nunca imaginaria que o pai do meu filho era a cabeça pensante por trás de tudo isso e que mesmo não querendo, ele estava me arrastando para toda essa lama.

Ele percebeu meu raciocínio rápido e me encarou, bem no instante em que a minha ficha caiu e que eu me dei conta da situação que estava.

Fodida.

Essa era a resposta. Se alguém ali sonhasse que eu estava prestes a ser uma Federal, eu seria um cadáver ambulante, como ele mesmo vivia me dizendo.

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