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     — BOLA FORA! BOLA FORA!

     — A GENTE JÁ ENTENDEU, MARS! — Cantarolou Ray correndo suada na quadra. A trança rabo-de-peixe balançando para os lados. — PARE DE NOS DESCONCENTRAR!

     Peguei a bola de handebol quando o sr. Beddor apitou. As aulas de educação física eram opcionais, mas o sr. Beddor sempre dava notas extras para quem jogava. Hoje, era handebol, e eu havia acabado de aprender como se jogava.

     Estava prestes a fazer o arremesso quando Mars jogou água na quadra e eu parei de súbito para não escorregar. Rosnei para ele enquanto o mesmo ria alto ao lado de Mira, da arquibancada. Ravi estava acima dos dois, tanto que Mira sentara entre suas pernas, e imaginei o que Xavier diria se visse aquilo. Enquanto Ray xingava os ancestrais de Mars e ele xingava de volta dizendo que era racismo, observei Ravi. Como se mantinha concentrado em A Genealogia Da Moral de Friedrich Nietzsche. 

     Eu nunca fui tão leitora, preferia uma vida agitada como a aula de educação física e as voltas inúteis que o sr. Beddor dava no ginásio, mas as vezes, lia alguns livros de Rupi Kaur e de vez em quando, Machado de Assis. O meu favorito era Dom Casmurro, mas eu também adorava Orgulho e Preconceito da Jane Austen e se fosse para seguir alguma personalidade feminina, Elizabeth Bennet seria minha primeira opção.

     Os pelos do meu corpo se arrepiaram e meu coração se voltou contra mim quando uma garota, Carla Marquez, sentou ao lado dele e o mesmo colocou a mão em sua coxa. A bola foi em direção a Dana, a jogadora de handebol da segunda série, e estava esperando que fosse direto a mim, se não fosse pelo beijo de língua que Ravi e Carla deram nas arquibancadas. Então, me voltei para Ray, que caiu no chão e escorregou onde Mars havia derramado água e agora estava ajudando-a a levantar.

     O sr. Beddor ameaçou expulsar Mars do ginásio e Miranda interviu. Os três discutiam na porta enquanto as mãos de Ravi seguravam os quadris de Carla. Meu olhar não parou neles, não, muito pelo contrário, eu ainda transitava pelo ginásio, mas não conseguia não lançar um olhar de esguelha quando passava perto. Estavam me incomodando, estavam me incomodando muito e eu realmente queria jogar.

     — Lani! — Ray assobiou, passando a bola.

     Fiz uma jogada de lateral para Lynda, que fez um arremesso por baixo e o gol foi na certa, meu time comemorou, menos eu. Via apenas Carla e Ravi abraçados, a mão dele na coxa dela, os braços dela em seus ombros, e o olhar dele se encontrou com o meu, seu brilho sumindo. Me sentia traída.

[...]

     — Você não disse para mim para fazer a Ray se apaixonar por você? Não disse para que ela percebesse que tu é o único pra ela!? — Gritei, enquanto passava por ele no campus, duas aulas depois da de educação física. Segurava um fichário e uma agenda, já que precisava ir até a aula de religião depois do almoço.

     — E ainda quero.

     — Ah! Claro! A Carla sabe disso? — impliquei. Os dentes dele rangeram.

     — Escute aqui, eu não vou ficar parado na moita enquanto espero você não fazer praticamente nada para a Ray se aproximar de mim. — ele respondeu. — Acha que eu não estou vendo que seu esforço ou sei lá o que está fazendo para mostrar para a Ray que deve ficar comigo, não está valendo nada? E a Carla é gata.

      — É. A Carla é gata. Mas eu não sabia que você gostava de pegar os sentimentos das pessoas e jogar para cima como se estivesse brincando com um vaso caro. — respondi ficando de frente para ele. Seu olhar foi parar nos meus tênis. — Depois que eu conseguir fazer a Ray ficar contigo, o que fará? Vai jogar ela fora? O que está olhando!?

     O semblante neutro de Ravi se transformou em um sorriso de orelha a orelha. Logo depois, em uma gargalhada.

     — Do que está rindo, seu merda? — algo em mim queria rir junto, mas me conti franzindo o cenho.

     — Você está com all stars de pares diferentes. — colocou a mão no rosto. — um azul e um amarelo. — começou a rir.

     Comecei a rir junto quando olhei para os pés e senti minhas bochechas com um ardor.

     — Merda. — falei, entre as risadas. — Eu não acredito nisso.

     Então, o sinal tocou.
     — Eu vou te dar mais uma chance. — Ravi segurou no meu ombro quando seguimos direções opostas. — Faça a Ray ficar comigo. Então, você sabe.

     Então, respirei fundo.
     — Por favor. Só não saia com outras garotas. Isso não vai ajudar. — Pedi, por fim, antes de tirar sua mão do meu ombro e continuar meu caminho até a aula de religião.

     E, depois da aula de religião, na frente de Ray, vi Suzi dando em cima de Ravi. Era estúpido ligar para aquilo, mas realmente queria que ele parasse de fumar e se dedicasse inteiramente ao vôlei. Se quisesse um time excepcional, precisava de jogadores excepcionais. E depois dessa briga que tivemos, não consegui pensar em outra coisa na aula de matemática. Nem para a de física e a de biologia.

      Tentava falar com Ray sobre Ravi, perguntava se havia algum programa para sábado, ou sobre a história de vida deles. Odiava aquele meu jeito de agir, mas ela tinha que gostar dele, e não estava fazendo expressões ruins e nem falando com desgosto comigo sobre tais assuntos, então pareceu normal.

     — Acha que engordei? — perguntou ela, admirando a cintura no espelho.

     Havíamos acabado de tomar banho para nos preparar para o jantar no refeitório.

     — Está com o mesmo corpo desde que te conheci. — Já faziam duas semanas.

     — Tori colocou uma fita métrica na minha mochila na aula de educação física. — Ray choramingou. — Sei que era ela pois piscou para mim e apontou para o buchinho. Acha que estou com um buchinho?

     Sim, Ray não parecia magra. Mas também não parecia gorda. Ela estava com o peso ideal.

     — Pare de se preocupar com a opinião da Tori. — eu disse, por fim, tirando a blusa. — Comece a se preocupar com o treinos, amanhã por exemplo, o ginásio é nosso.

     Cheguei perto dela, e fizemos um soquinho.

     — Eu adorei seu sutiã. Pode me emprestar? — pediu ela, de olho nos meus seios.

     — Vai fazer sexo com alguém usando ele? — perguntei entre risadas, enquanto vestia a uma blusa comum.

     Ray voltou a encarar o sutiã preto.
     — Não é uma má ideia.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora