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Eles estavam se esforçando.
     Haviam quatro pessoas se esforçando muito para serem meus amigos, e eu de repente entendi isso como uma oportunidade, e abri minha agenda escolar para parar de fazer notas mentais.

     "Lições para se adaptar ao recomeço" escrevi na página de anotações do fim de janeiro. Então, me veio um branco, e encarei a redação de filosofia, a pergunta feita por Nietzsche, se eu gostaria de viver a vida de agora por toda a eternidade. Se a um mês atrás, tivessem me feito essa pergunta, eu teria dito que sim, mil vezes sim balançando a cabeça como uma adolescente trouxa achando que iria continuar vivendo aquele mar de rosas. Mas a magia acabou, e quando o professor fez essa pergunta não me vieram sins ou nãos e nem talvez'es na cabeça. Minha cabeça fez silêncio pela primeira vez.

     Bem que disseram que as aulas de um colégio interno eram excepcionais.

     Fui tragicamente interrompida pelo escândalo da porta batendo na parede, e uma Miranda enfurecida indo parar direto no banheiro. Ela usava um short jeans de cintura alta e uma regata listrada. E os cabelos ridiculamente bagunçados. Ela correu direto para o banheiro com muita pressa, mas eu pude notar que segurava uma garrafa.

     — Isso é o que estou pensando? — perguntei, abrindo a porta do banheiro.

     Miranda estava virando uma garrafa térmica de café.

     — Se está vendo, não está pensando, Lani. E sim, eu andei pesquisando na biblioteca e descobri que excesso de cafeína no sangue, especificamente, uma concentração de 50 mg por ml no sangue, pode matar uma pessoa. — Ela bebeu, limpando as lágrimas. — E eu estou bem afim de morrer hoje.

     Ela se sentou no chão do banheiro, e soltou um arroto, seu cabelo tão desarrumada que concluí que precisava de uma finalização com urgência.

     — E a aula de espanhol?

     — Foda-se a aula de espanhol. — Deu mais uma golada. — Será que se eu colocar vodca o processo é mais rápido?

     — Vai misturar café com vodca? — Perguntei, arregalando os olhos. Ela soltou uma risada silenciosa, só o barulho do ar.

     — Loucura, não é? Mas se você falar assim, vai me convencer que é uma péssima ideia. — Mira soltou mais um arroto, e começou a rir escandalosamente. — Lembrei do Mars.

     Sentei na pia do banheiro, tentando evitar o espelho.
     — Vai. — pedi — Me fala. O que aconteceu.

     Miranda acariciou a garrafa, e mordeu os lábios, como se não quisesse falar em hipótese alguma, mas foi mais forte que ela.
     — Eu e Xavier... Brigamos. — olhei confusa para ela. — Estamos saindo faz sete meses. Ele é um cara legal, sempre fez tudo pra mim, parecia me amar, entende? Mas ele exige tanto de mim, e odeia xadrez. Eu só queria um namorado que amasse o que eu faço, sabe? Pare de fumar, Miranda. Pare de beber, Miranda. Pare de apostar a alma em jogos, Miranda. Pare. Pare. Pare. — ela começou a chorar. — Ele devia mandar eu parar de viver.

     Mira estava frustrada. Muito, frustrada. Olhei para a janela, para os cremes pra cabelo, para o chuveiro. Depois, de volta para Mira, ainda bebendo. Que frustração idiota.

     — Talvez ele só esteja querendo seu bem. — eu disse, mordendo a boca.

     — Ou talvez ele me odeie. — ela respondeu, com a voz trêmula. — Sou uma decepção para meus pais, por isso estou aqui. E sou uma decepção pro Xavier, por isso estou nessa situação. — diz ela. Miranda então olha para cima, para mim, sentada na pia. Com aqueles gigantes olhos amarelos. — Você me acha idiota, Lani?

     Encarei sua pele perfeitamente cuidada, e o rímel manchado pelo choro. Tirei os olhos dela e mirei a porta, mas senti seu olhar vidrado em mim. Procurava parecer um sábio de olhar lupino e procurar uma resposta válida, entretanto, não deixava de ser sincera.

     — Você só é confusa, Mira. Uma pessoa confusa procurando conforto em drogas e pessoas, e ele sabe disso. Mas está tentando te livrar do pior do jeito errado. — Eu disse, pausadamente.

     Dela só saiu um suspiro aborrecido, e cinco minutos de silêncio depois, saímos para a aula de espanhol. Por fim, o café não matou Miranda.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora