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     Apesar de muito contar sobre como ela era especial e me ajudava em praticamente tudo, certa vez foi diferente.

     Na páscoa de 2016, nossa família paterna e materna estava inteira reunida, então a casa estava cheia. Havia crianças correndo para tudo quanto é lado, e Lina e eu fomos encarregadas de esconder ovos de chocolate para nossos primos encontrarem. No momento da oração, lembramos que nossa mãe é budista, porém nosso pai é católico. Entretanto, a oração seguiu o fluxo e a pequena família da minha mãe — composta por meu avô e sua irmã, tia Rubi, com seus filhos — ficou escanteada. Então, minha avó paterna Agnes se sentiu ligeiramente ofendida, e começou um discurso sobre religiões.

     Esse discurso se transformou numa discussão que levou a uma briga. E Angelina, como a neta mais velha de minhas duas avós, tentou ajudar. Porém, a avó Agnes a humilhou de uma forma que eu não vou querer contar aqui. Lina se escondeu no quarto o resto do evento, e minha mãe disse para que eu ficasse com ela, e fui por vontade própria. Conversamos e nos convencemos que vovó Agnes era uma fanática religiosa super babaca. Mas dava bons presentes.

     — Mais? — ouvi Mira dizer.

     — Se eu vou querer mais? — falei, com a voz arrastada.

     — Vinho. — disse ela, e fiz um gesto para que me passasse a garrafa. — Acho que vou vomitar. — sua voz estava arrastada e bêbada.

     — Deveríamos sair agora mesmo de carro e comprar sorvete de limão. — Disse eu, não sei por quê. — E misturar com margarita.

    Ouvi Ravi rir.
     — Não acredito que concordamos que um de nós deveria deixar de ficar bêbado só para cuidar dos outros e eu escolhi ser essa pessoa. Justo eu. — disse ele. — Vocês duas deveriam voltar para o quarto. Já está muito tarde, e o Tobias vai matar a gente se nos encontrar fora dos dormitórios. — Tobias era um dos monitores.

     Achei aquilo engraçado. Não sei por quê, mas quando olhei para Mira, senti uma vontade louca de rir, e Ravi revirou os olhos.

     — Você deveria calar essa boquinha linda — Falei, deitada no chão na sua frente, e o observando de cabeça para baixo. — e mim passar um cigarro.

     — "Mim passar"? 

     Caímos todos na gargalhada de novo.
     — Não seja ridículo. Me dá. — pedi de novo.

     Fumei tão rápido que tossi mais do que deveria. Não pensei no quanto aquilo poderia me prejudicar no vôlei, na verdade, não pensava em nada.

      — Lani, chega. Você não vai conseguir jogar. — disse Ravi, quando tossi. — Você não foi feita pra isso aqui.

     — Ah mas você também não deveria. Talvez a Ray não queria você porque ela odeia gente que fuma. — falei, me balançando de um lado para o outro.

     — O quê? — ele falou, fixando os olhos em mim.

     Mira começou a jogar pedras para o céu e dar gargalhadas.

     — O pai da Ray fumava pra um cacete. Aí ela odeia gente que fuma. — confessei.

     Ela comentara conosco certa vez no quarto, antes de dormir. Ravi olhou para o cigarro em sua mão e o amassou em cima da mesa. Mira deu outra gargalhada.

     — Seu pescoço é tão sexy. — eu disse a ele. — Quando seu cabelo balança assim no vento, eu fico observando e imaginando tu como um mensageiro dos deuses.

     — Como Hermes? — perguntou Ravi, rindo.

     — Como Hermes. — bocejei. — A Angelina gostava de mitologia. A favorita dela era Penélope, a esposa de Ares.

     — Você quis dizer Perséfone, a esposa de Hades. — Disse ele.

     — Isso, Penefone. — disse eu. Então, fechei os olhos. — Estou morrendo de sono.

     — Eu também. — roncou Mira.

     Enquanto Ravi olhava para o horizonte do lago, dessa vez não fumava, apenas observava, Mira se aproximou dali, enfiou o dedo bem fundo da garganta e vomitou um arco íris roxo e amarelo.

     — Coloca pra fora, maninha. — murmurou ele, enquanto Miranda vomitava cada vez mais. — coloca tudo pra fora.

     Não sentia vontade de vomitar, somente sono. E me sentia meio tonta.

     — Vamos embora tomar um banho de água fria, Lani. — disse Mira de repente, e resmunguei. — Os monitores vão nos arremessar do muro se nos verem desse jeito.

     Então, voltamos. Mas eu estava tão zonza que não conseguia ver o que estava na minha frente. Mira parecia melhor que eu, não estava tão bêbada.

     — Por que você bebe tanto!? — perguntou Ravi segurando minha mão firme para ninguém reparar meus tropeços.

     — Pelo mesmo motivo que você fuma demais. — eu disse, sem fazer ideia de porquê ele fumava demais.

     Mas algo na minha cabeça dizia que ele fazia aquilo para morrer mais rápido. 

      — Mama, oooh — cantou Mira um pouco mais alto do que deveria. — I don't want to die! But sometimes wish I'd never been born at all. Espera, esse cara estuda aqui? Freddie Mercury?

     Silêncio total. Ravi estava odiando cuidar de nós. Miranda poderia ter vomitado, mas estava muito fora de si para cuidar de mim. Então, ele mesmo entrou em nosso quarto e ligou nosso chuveiro na água fria.

     — Pronto, tira a roupa e entra aqui. — disse ele, com a mão no chuveiro.

     Comecei a tirar a regata.
     — Não! Na minha frente não! — ele se desesperou colocando a mão no rosto. — MIRANDA!

     — Chegando, chegando. — disse ela. — Vaza, Perez.

     E ele vazou.
     Pelo o que dizia no relógio que ficava no quarto, passavam das três quando terminamos de tomar banho. Eu estava exausta.

     — Você tirou mesmo a roupa na frente dele? — perguntou Miranda, então, a voz dela ecoando no silêncio. Depois, a minha risada.

     — Eu odeio feriados. — resmunguei, antes de me virar e pegar no sono.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora