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      — Arranjamos um namorado para Alanis. — Mars soltou, depois da fumaça do cigarro. — Agora só precisamos que ele concorde em ficar com você.

     — E enquanto a mim? Por acaso uma mulher não pode escolher? — dramatizo, em tom irônico.

     — Claro, mas quem não escolheria Dante Leblanc? — Responde Ray, e minha garganta secou.

     Só podia ser brincadeira.
     — Você não disfarça quando come ele com os olhos, querida. Devia me agradecer. — disse Mars, acendendo mais um cigarro e entregando para Mira. Os dois riam como se fossem um casal de velhos.

     Quase esqueci que Mars e eu tínhamos a mesma aula antes do almoço durante as quartas-feiras.

     — Tudo bem. Dante é sexy. — confessei. — Se conquistarem ele para mim, lhes pago cigarros.

     — A gente vai o ver hoje no ginásio de basquete no treino dele. — Disse Ray enquanto jogava pedras no rio, sentada na beira da ponte. — Então capricha na maquiagem e no cabelo, meu amor.

    Me olhei no espelho que Mira carregava de um lado para o outro para passar brilho labial. Claro, minha expressão era de exaustão, e minhas olheiras, profundas. Então realmente segui o conselho de Ray e passei uma base líquida debaixo dos olhos e um brilho labial vermelho sabor cereja, que deu uma cor ao meu rosto extremamente branco, enquanto meus amigos brincavam com uma brincadeira inventada (obviamente) por Mars chamada "vira-copos" e viravam copos de vinho.

     — Sinto dizer a vocês mas a sra. Kalil vai odiar sentir cheiro de vinho na aula dela. — Eu falei, quando olhei a hora.

     — Ainda tem meia hora. Vamos jogar um jogo. — Disse Ravi. — Quem contar o pior dia da vida, fuma o último. — mostrou o último cigarro da caixinha.

     Me deitei em cima das pernas de Mira enquanto ela acariciava a ponta dos meus cabelos. Como fizemos uma roda, começamos em sentido horário, no caso, por Ray.

      — O pior dia da minha vida foi quando eu tinha dez anos, e intervi na última briga dos meus pais antes de eles se separarem. Meu pai estava muito, muito bêbado, e estava batendo na minha mãe. Mas ele prometera a ela que nunca, nunca bateria em mim. Só que eu a amava muito e não suportava mais ver uma mulher tão gentil e inocente sofrer nas mãos daquele monstro, mas quando entrei no meio, ele chicoteou o cinto na minha cara. — Disse Ray. — Por isso eu tenho um hematoma na bochecha.

     Eu achava que era uma marca de nascença.

      — O pior dia da minha vida — Disse Mars enquanto pensava. — Foi quando vim pra cá.

     Nós rimos.
     — Me passa esse cigarro. — Ele tentou, mas Ravi se levantou e não deixou.

     — Minha vez. — Ravi fez todo mundo calar a boca. — No começo, eu ia dizer para a gente falar sobre nossas fraquezas, mas lembrei que falar sobre dias ruins seria menos dolorido. Surpreendentemente, o pior dia da minha vida não foi dia 2 de agosto.

     2 de agosto, o dia em que Ravi e eu nos conhecemos.

     — Foi dia 14 de julho de 2012, quando me recusei a viajar com meus pais. O avião caiu e os dois morreram, e fui morar com meus tios. Ganhei. — Ravi quase acendeu o cigarro, mas Mira o pegou dele.

     — Lani e eu não tivemos nossa vez, engraçadinho. — disse ela. — E... sinto muito pelos seus pais.

     — Você nunca me disse isso. — falou Mars, com a voz passiva.

     — Não é algo que alguém gosta de falar. — Ele riu. — Ora, não fiquem com esse clima, está tudo bem. Já faz dez anos que eles se foram, eu já superei.

     Ravi tinha apenas sete anos quando perdeu os pais, e pensei no quanto remoía esse sentimento. Dia 14 de julho de 2012 eu estava no Rio com meus pais e Angelina "jogando" vôlei de frente para o mar, enquanto ele perdia a família.

     — Acho que não tenho um dia ruim. — menti. — tenho dois.

     Mira riu com escárnio.
     — Não, não vale, Lani. Todos os dias parecem ruins, mas só um da nossa vida é realmente o pior.

     Está bem óbvio que o pior dia da minha vida foi o dia do acidente, mas não queria contar para eles, ainda não sabiam. Se eu contasse, em voz alta, o que acontecera, o barulho dos gritos de Angelina e Lara e dos pneus gritando voltariam a tona. Mas se bem... que eu aprenderia a lidar com isso.

     Me ajeitei no colo de Mira e comecei a falar.
      — Se tivessem feito essa pergunta para mim antes do dia 29 de junho, eu teria respondido que o meu pior dia seria quando minha gata Monalisa morreu. — fizemos uma pausa, e Ray espirrou. — Mas dia 29, depois da meia noite do dia 28, eu sofri um acidente de carro. Saí com o braço quebrado. E perdi a minha irmã.

     Um silêncio pairou.
     — Vocês... estavam juntas quando ela morreu? — Miranda arriscou perguntar.

     — Sim. — respondi, simplesmente. — Os médicos disseram que ela bateu a cabeça com muita força contra o vidro e foi arremessada do carro. Eu não vi porque também fui arremessada para o lado e lembro do impacto do meu braço contra a porta. Aí acordei no hospital.

     Senti Miranda me abraçar.
     — O pior dia da minha vida foi quando bebi café com vodca. — disse ela, e eu sorri.

     Olhei para os outros, enquanto discretamente Ravi acendia o último cigarro, e imaginei que tivesse considerado sua história a pior. Mas, surpreendente, entregou-o a mim.

     — Você é uma de nós agora. — falou.

     Então, fumei pela segunda vez na vida.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora