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     Três dias depois, estávamos em uma aula plena de álgebra com o sr. Braga e a própria Zara entrou na sala onde eu e Mira estávamos sentadas do lado da outra e nos entreolhamos. "A Tori não virá... Problemas com a saúde" e olhou zangada até nós. Mira virou a cabeça para mim, e dei de ombros fingindo estar confusa, enquanto ela ria do meu gesto.

     Houve um problema com uma parente do sr. Braga e ele parou para voltar para casa e ajudar, e tivemos a aula vaga pela primeira vez naquele dia. Dorama ia ficar furiosa ao saber daquilo, mas continuamos seguindo até o sino bater e nos levantarmos para a próxima aula. Enquanto a sala conversava em uma baderna e eu escutava algumas meninas contando um boato sobre uma traição que acontecera com uma inimiga delas, notei Mira fechar um caderno com a capa verde-água e uma ilustração de um gato malhado com asas de anjo, parecia ser uma colagem feita por ela. Então, me levantei e me aproximei de sua carteira, e o abri enquanto a mesma guardava materiais na mochila.

     O primeiro desenho era um leão. Virei a página, e me deparei com um poema e várias borboletas. Os desenhos eram mais como rabiscos preguiçosos e feitos com lápis escuros. Virando a página, estava um rabisco do ginásio; a rede de vôlei, e uma bola no ar. As jogadoras eram identificáveis. A garota esguia, de cabelos longos e lisos, Ray. A levantadora: Carla. Eu era a única que ela pintara o cabelo o enegrecendo, e eu fazia a pose de preparação no desenho. Estava perfeito.

     — Mira. — chamei, enquanto ela observava atentamente eu ver seus desenhos. — Pode... pode fazer um desenho pra mim? — pedi, por fim.

     — Claro — ela franziu o cenho, pegando uma folha separada e um lápis 3B. — Descreva seu desenho.

     — Hum. — Me sentei em sua mesa. — Quero uma garota, só o rosto e os ombros. — ela rabiscava enquanto eu dizia. — Seus ombros são largos, como os meus. Seu rosto é rechonchudo, as bochechas enormes e o queixo se alinha com elas. Consegue desenhar sorrisos? Porquê se consegue, o sorriso dela era largo e não tinha covinhas, mas seus olhos se fechavam quando ela sorria. E falando nos seus olhos, eram incríveis, dizíamos ser como a luz do sol já que como meu avô, seus olhos eram cor de mel. O cabelo dela era longo, bem mais longo que o meu, e muito, muito liso. O tom era puxado para o preto, mas no sol dava para notar um castanho escuro.

     — Quase acabando. — ela disse, três segundos depois que terminei de falar. — São informações muito específicas. De quem você está falando?

     Assim que peguei no desenho, o meu coração deu um salto. Estava idêntico a Angelina, e parecia até uma memória minha.

     — Essa é minha irmã. — eu respondi. — Pelo menos, um dia foi.

     Miranda se levantou, e me deu um abraço.

[...]

     No esconderijo, começamos a falar da nossa vida enquanto Ray fazia uma atividade no caderno de álgebra, algumas milhares de equações de bhaskara que ela andou fazendo.

     — Reforço. — disse ela quando me pegou observando. — Atividades extras. Muita coisa.

     — Eu sei que você faz curso de matemática. — Sorri, e ela também, corando.

     — Não quero me gabar, mas já me gabando. — ela fechou o caderno azul. — Tenho duas medalhas de vôlei e três das olimpíadas de matemática, álgebra e geometria do colégio. Eles abrem o curso e nós temos revisões e atividades para resolver até o final do ano, onde as olimpíadas acontecem.

     — Masoquista. — Mars a olhou com escárnio. — Imagina ter aulas extra de matemática!? Prefiro a morte.

     Ray mostrou a língua para ele.

     — Vi suas medalhas no quarto, assim que cheguei. — contei. — Você é muito boa no que faz, Ray, parabéns.

     — Tenho um jogo. — Disse Ravi. — O-dia-que-ainda-não-aconteceu. Topam?

     — Contextualiza esse título. — Mars pede após uns segundos de reflexão.

     — Basicamente — Ravi fizera uma pausa para soprar a fumaça. — Você tem que falar o que vão fazer quando saírem desse lugar, como fizemos quando falamos dos piores dias de nossas vidas.

     Espichei um pouco o canto da boca, recordando-me de quando eu mesma fiz aquela pergunta a ele.

     Miranda foi a primeira a se pronunciar.

     — Se é assim, a primeira coisa que farei vai ser procurar um curso que me dê dinheiro. Talvez eu trabalhe como secretária, só preciso de dinheiro. Xavier e eu nos casaremos e eu vou tirar minha mãe daquele quitinete, ela vai morar numa casa linda e vai ter um bom emprego. — disse ela. — E depois, vou fazer curso de design gráfico, em seguida, publicar um livro de poesias. Em todo esse tempo, estarei morando com Xavier, na casa que os pais deles prometeram nos dar de presente de casamento um dia. — ela sorriu.

     — E você não está dependendo muito desse garoto? — perguntou Mars, e eu dei uma cotovelada nele. — Quê!? Nem sabemos se ela vai mesmo casar com ele!

     Mira não abriu a boca para responder á aquilo, enquanto Ray respirava fundo e começava, estando ao lado dela.

     — Acho que vou fazer arquitetura ou engenharia. Dependendo da medalha que eu ganharei nessa olimpíada, poderei adquirir uma bolsa para uma das melhores faculdades de SP! — Disse Ray, com um sorriso estampado. — E quem sabe eu me invista no vôlei, talvez eu me torne profissional. 

     — Penso na mesma coisa. — retruquei, já que era minha vez. — Vôlei é minha paixão desde criança, e desde que me tornei quase profissional nisso, lá em Santa Catarina já me chamaram para treinar em uma das melhores Academias de Vôlei, mas escolhi ficar para... minha irmã poder ir. Cedi a vaga á ela e depois, ela começou a ser chamada para torneios de verdade.

     Miranda segurou no meu ombro para se aproximar mais do meu ouvido.

     — Você sempre esteve na sombra dela, não é? — Disse ela, como se esperasse mais uma confirmação do que qualquer outra resposta.

     Assenti, entristecida. Não era sempre verdade, Eleanor e André sempre me preferiam as vezes mais que ela apesar de serem amigos primeiro dela do que de mim, entretanto, não havia como negar, que sem Lina, eu poderia ter tido muito mais dificuldade de me virar na vida.

     Todos me encaravam, mas eu não tinha muito o que falar.

     — Não... tenho mais nenhum sonho. — mordi o lábio. — Mas... em algum momento da minha vida, gostaria de fazer mestrado, ser professora de universidade... — as palavras eram bem calculadas por mim. — e ensinar filosofia.

     — Quer ser professora? Uau! Você é a primeira pessoa que conheço que quer isso! Como é ser a última da espécie? — Disse Mars, sarcástico a cada palavra, e eu ri, mandando ele calar a boca. — Já posso falar de mim?

     — Prossiga, caro Mars. — Disse Ravi.

     — Antes de qualquer coisa, eu quero terminar meu rolo com o Toni — Disse ele. — E depois, quem sabe eu venda meu carro e use o dinheiro com minhas economias para comprar uma casinha na capital, e também a grana que meu pai deixou para isso. Quando entrar na faculdade, farei aeronáutica, por puro sonho, já que meu avô também fez. Também quero ter um golden retriever e nomear de Storm.

     Nossos olhares se viraram para Ravi quando Mars mostrou ter terminado de contar. Ele se encostou na cadeira, com a mão apoiada no encosto, a mesma segurava um cigarro. Eu já sabia o sonho dele, mas, por algum motivo, estava curiosa para saber o que Ravi diria para nós ali, na roda.

      — Pretendo matar o presidente.

     E ficou por isso mesmo.

     O grande problema dele era esse orgulho que matava lentamente o acordo de verdade que fizera com os amigos. Eu desejei instantaneamente que todos ali presentes já soubessem que Ravi pretendia ser um psicólogo, não um assassino. Entretanto, havia a possibilidade de um por cento dele estar mentindo para mim e dizendo a verdade para a roda, o que eu evitei considerar.

     Ravi Perez era um garoto misterioso, e ao mesmo tempo, um livro aberto.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora