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      As semanas de provas, que estavam se aproximando, finalmente chegaram. Não era atoa que Ray estava estudando como uma louca, sentia uma pressão muito, muito grande nos estudos e no vôlei, já que era capitã do time. Quebraram minhas expectativas de que Mira era a aluna dedicada e Ray era a "toda solta". Mas, agora as conhecendo melhor, eu pude enxergá-las além disso.

      Recebi uma ligação do meu pai na hora do almoço, após as provas de trigonometria, inglês e história. Era como se ele quisesse explicar porquê demorara tanto para ligar depois daquele dia do feriado, ou o motivo de minha mãe ter peço divórcio.

      Nas primeiras semanas que fiquei no internato, os dois discutiram finalmente o destino da vida deles. Então, minha mãe começou a falar de Angelina, e com dor no coração, meu pai começou a defender o meu lado, e do quanto mamãe era egoísta por querer me mandar para um colégio interno e de que Angelina havia ido embora de vez, e isso acabou com ela. Os dois, como previ, brigaram por duas semanas inteiras.

     Provavelmente, enquanto eu estava experimentando um cigarro pela primeira vez, minha mãe estaria jogando coisas no meu pai. Os dois decidiram que não se amavam mais e Angelina havia rompido qualquer alegria que os dois compartilharam em 3 anos de namoro e 22 anos de casados. Claro, me assustei com sua declaração. Ele também. Disse que me amava muito, e lamentava dizer o contrário sobre minha mãe, que ela realmente não pensou muito em mim em momento algum.

      Talvez ela tenha ficado com a consciência pesada. Ligou para mim um dia depois, pelo telefone da própria Dorama, que me tirou da aula de geografia em uma situação pós prova para atendê-la.

      — Alô?

      — Alanis, minha filha...

      Aquilo em assustara. Meu coração pulou do lugar. Mamãe nunca me chamou de "minha filha" tão cuidadosamente em toda a minha vida.

      — Mãe?

      — Eu liguei para pedir desculpas, Alanis. Estou morando sozinha na casa da sua avó falecida, e percebendo todos os meus erros, meus malditos erros. — disse ela. — Eu tenho me arrependido tanto, tanto dos meus atos. Me perdoe, minha filha, por não ter te abraçado quando você saiu do hospital. Me perdoe por não ter cuidado de você, por ter deixado você se afundar na depressão... Mas por favor, me perdoe, acima de tudo... — ela fez uma pausa. Escutei um pássaro piar na outra linha. — Por não ter sido uma mãe melhor para você, por não ter lhe proporcionado felicidade.

      Quando me dei conta, haviam lágrimas silenciosas escorregando pela minha face. Então, fechei os olhos, e comecei a soluçar. Queria que ela visse o quanto aqueles pedidos de desculpa faziam a diferença para mim. Então, a voz dela ficou mais trêmula.

      — Me perdoe... filha. Quero você de volta, temos que recuperar todo tempo perdido. — ela falou. — Vou tirá-la daí, e marcar um voo. Você pode voltar para sua antiga escola, seus amigos, seu time de voleibol, e para mim. Por favor.

      Fez-se silêncio.
      — Mãe — comecei, depois de engolir seco umas três vezes para parar de chorar. —, posso não ter sido seu orgulho, mas sei que Lina foi. A senhora a amou mais que ninguém, e isso a magoou muito quando ela se foi. Eu sempre te entendi, sem deixar de sentir remorso, claro. Mas agora eu não quero mais voltar, não quero morar contigo. Nem com o papai. Não quero ficar revezando para morar com vocês. Me perdoe também, mãe, mas eu prefiro... aqui. Obrigada por se arrepender de me deixar de lado, obrigada mesmo. Saiba o quanto isso significa para mim, e que te perdoo. Mas não vou embora. E... se a senhora sentir o mesmo, saiba que te amo.

      Silêncio na outra linha.
      Desligo, sem dizer mais nada, após me virar e encarar as sobrancelhas levemente arqueadas em tom de preocupação de Dorama. A coordenadora tirou os óculos, e perguntou se eu queria um abraço. Naquele exato instante, eu desabei, bem ali, no ombro dela.

      Voltando para o quarto, antes da próxima aula, eu acabei por me pegar olhando no espelho do banheiro. Mais uma vez, notei minhas feições mais caídas, menos admiráveis. Meu cabelo crescera bastante, e minha enorme franja anelada cobria meu rosto. A tesoura pontiaguda de Ray estava logo ali.

      E por um instante, pensei numa bobagem. Infelizmente não dá para se matar com uma tesoura. Provavelmente eu apenas me daria mais dor. Nunca havia tentado me suicidar, apesar de a vida toda ter tido uma vida complicada. Era como se Lina garantisse que isso nunca, nunca aconteceria. Angelina me protegia de bullies, das brigas dos nossos pais e o abraço dela me confortava.

      Depois que ela se foi, que soquei a parede do banheiro, pensei que me matar seria a alternativa mais fácil. Porém, foi tão difícil, que saí do banheiro naquele dia. Então, me senti uma babaca. Ao invés de me cortar ou me matar, analisei meu cabelo. Diversas vezes, descontei minha ansiedade nas paredes. Mas dessa vez, enquanto o barulho cortante da tesoura separava mechas e mechas do meu cabelo, meu coração acelerava.

      Meus cabelos negros cobriram a pia, e me olhei no espelho. O rosto fino destacado, as mexas se anelando conforme mais curto ficava. Então, cortei mais um pouco, e quanto mais cortava, mais meu coração acelerava. Mais lágrimas escorreram dos meus olhos, embaçados. Mas permitiram ver meu cabelo cobrindo apenas a região da nuca. Minha franja anelada permaneceu-se. O choro se transformou em um sorriso. Sim, um sorriso.

      — Eu te superei. — sussurrei, sozinha, percebendo que ficara menos parecida com Angelina. — Eu consigo me virar sem você, Lina. Sua irmãzinha mais nova está crescendo.

      E depois de minha declaração ao espelho, (dei uma risada por estar falando sozinha) e peguei uma liga elástica e prendi minha franja, o que lembrou a protagonista do jogo preferido de zumbis do Mars. Me senti bonita, diferente. Uma nova eu, uma nova Alanis.

      Eu estava reacendendo-me.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora