Minha mãe não come direito desde o acidente. Não conseguiu tirar da cabeça a fala dos médicos dizendo que "a mais nova está bem. Mas a mais velha... havia morrido na hora do impacto." E desde então, meu pai tem pelejado para fazê-la se sentir melhor, mas ele também ficou devastado. Angelina era importante para todos nós. Divertida, educada, íamos nas festas sempre, sempre juntas. Sempre tivemos os mesmos amigos, a vida toda unidas.Aquilo estava acabando com as pessoas ao nosso redor de pouco em pouco. Estava matando minha mãe, afundando meu pai no próprio vazio, me deixando... inexpressiva. Não conseguia mais sorrir e dizer obrigada para os mil "meus pêsames" que as pessoas davam a mim. Me destruí completamente.
Assim que adentrei, minha mãe fazia o jantar. Nada mais que dois ovos para mim e meu pai e um sanduíche para ela, já que não queria fazer o jantar, mas não poderia deixar a família passar fome. Aliás, não notara minha presença, conversava com meu pai no telefone.
— Eu sei, William, eu sei, é muita responsabilidade para ela, mas... É nossa única opção. Não posso aguentar mais olhar para ela e vê-la. — dizer o nome de Angelina doía. Mas, de quem minha mãe falava? — Sim, claro, amor. Eu entendo sua preocupação, mas ela está se tornando uma mulher e está mudando aos poucos tudo em si mesma. Deveríamos dar uma chance. — uma pausa dramática. — Não. Isso não vai dar certo. Esse negócios de estarmos juntos vai melhorar as coisas... Não existe.
E desligou.
— Está com fome, minha filha? Como foi o treino? — resmungou, parecendo querer realmente voltar a se importar. Bom, havia se passado um mês.— Foi bem... Fraco. Comparado ao do mês passado. — Quando Angelina ainda estava entre nós. Paramos de jogar por causa do luto. — Mas tudo bem. Vamos melhorando para o jogo.
— Falando nisso, Alanis, precisamos conversar sério. Não vai haver jogo. Não para você. — disse ela, fria.
Olhei torto para minha mãe.
— Mãe? Está insinuando que vai me tirar do vôlei? — retruquei. — Está... Louca!?Nunca usara esse tom de voz com ela, mas o vôlei significava muito para mim.
— No jantar. — recitou ela. — No jantar, quando seu pai chegar, explicaremos tudo.
Tomei um banho tenso, tentando de todas as formas entender o que minha mãe queria dizer sobre isso. Se iria mesmo me tirar das aulas, ou se iríamos... Mudar de cidade? Não seria possível, meu pai trabalha na prefeitura. Seria deixá-lo desempregado. E minha mãe tem uma clínica odontológica com seu nome. Ela não abandonaria assim. Então o que seria?
Metade das minhas roupas não estavam no guarda-roupa. Na verdade, todas elas haviam desaparecido. A mãe deixou um pijama em cima da cama e uma roupa mais formal em cima da escrivaninha. O que estava acontecendo, afinal?
Escutei meu pai abrir a porta da entrada de casa, e bater com os pés no chão. Também escutei suas fungadas tradicionais.
— Filha... Precisamos conversar.— Estou ouvindo. — estava mesmo.
— Sua mãe e eu... Discutimos o dia inteiro sobre isso. Desde o café até agorinha. — Ele esfregava as mãos umas nas outras, enquanto falava firmemente e lutava contra a ideia de para onde olhar, até parar em meus olhos. — Agora que tudo está mudando... As férias acabaram, e agosto chegou. Devemos reconhecer que precisamos recomeçar, e por isso, lhe mandaremos para um colégio interno. Em São Paulo.
Pisquei várias vezes antes de arregalar os olhos. Não havia acreditado no que tinha acabado de escutar, mas deixei com que minha mãe prosseguisse.
— Poderá se concentrar mais nos estudos... Fará novos amigos, conhecerá disciplinas que a ajudarão na faculdade, e também tem times de vôlei nesse colégio. — Disse minha mãe, suavemente, sem pressa, encarando seu prato. — Suas malas estão prontíssimas. Tem poucas roupas, então enfiei tudo nas suas três malonas. O voo é amanhã às 08h45, seu...
— Está falando sério? — interrompi, e minha mãe recuou, como se estivesse dando uma freada bruta. — Vocês fizeram minhas malas, compraram uma passagem, organizaram tudo, sem perguntar se eu queria ou não?
Meu pai encarou minha mãe, como se dissesse eu avisei. E fizeram uma pausa, enquanto eu encarava o ovo frito intocado no meu prato.
— Não é uma questão de você querer ou não, Alanis. Precisamos disso. Que você... recomece e estude em uma escola de excelência, que vá para um lugar onde as pessoas não te tratem como uma coitada. — Ela parecia estar dando uma bronca. — Você precisa disso. Estamos pagando, e você vai. Não tem muitos amigos aqui, então nem fará falta.
Ela sabia.
Sabia como acabar comigo.— Meu time sentirá falta.
— Não iremos mais discutir sobre isso. Já contamos. Você irá, e ponto final. — Diz minha mãe, levando o prato para a pia e o lavando. — Coloque um despertador no seu celular para acordar 06h55. Para se arrumar mais tranquila. Farei um café da manhã de despedida.
Despedida. Aquela palavra ecoou na minha cabeça como um eco das montanhas. Mal pude expressar minha opinião sobre aquilo, e sobre tudo. Meus pais estavam se livrando de mim, se livrando da única filha que lhes restavam. Para, de acordo com meu pai, recomeçar. E então, eu terminaria o ensino médio, iria para a faculdade e mais uma vez estaria sem eles. Aquilo era um erro.
Mas no final, acabei aceitando. Lara que se virasse... Para encontrar uma dupla. André que se dane, e Eleanor... Pedirei aos meus pais por notícias dela. Resolvi arriscar, verificar esse colégio interno. Talvez eu acabe melhorando.

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Reacendendo-me
Novela JuvenilEnquanto uma adolescente passa pela fase do luto e do trauma, ela começa a estudar em um instituto interno, e onde espera mais tristeza, na verdade encontra diversos amores e uma vida que jamais imaginou viver novamente. iniciado: 22 de julho de 20...