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     No outro dia, por incrível que pareça, Ravi não estava fumando em seu quarto. Na verdade, quando Mira e eu aparecemos lá para jogar, ele estava fazendo algo que eu jamais o imaginaria fazer: Uma torre de cartas.

     — Sabe o que é engraçado, meninas? — disse ele. — Não importa o quão grande seja essa torre, nem quantas cartas eu coloque, qualquer movimento brusco considerado errado que eu fizer, vai fazê-la cair. É assim que funciona. Nunca ficará em pé por tempo suficiente. De qualquer jeito, uma hora, vai cair.

     O quarto masculino era diferente. Nada de camas de beliche, e eles só tinham um colega, ao contrário das meninas que podiam ter até quatro. No caso de Ravi, era Mars. Então aquele quarto era todo dele.

     A parede era diferente, e as camas de solteiro do lado uma da outra estavam extremamente bagunçadas e a pequena TV ali estava ligada, e um videogame do lado chamou a atenção de Mira.

     — Já jogou Resident Evil, Lani? — Perguntou ela, enquanto pegava um dos controles.

     — Não costumo jogar videogames.

     — Vocês duas tomem cuidado, e não estraguem os controles, o videogame pertence ao Mars, não a mim. — Ravi advertiu. — Espera, a Lani não joga videogame?

     — Na verdade, nunca tentei... — tento explicar, me apoiando na escrivaninha.

     — Se senta aí agora. — Ele falou, abandonando a torre de cartas.

     Depois que me ensinaram e mexer com os botões do controle, acabei me viciando naquilo. Mira foi quem me acompanhou enquanto Ravi desistira e abriu o tabuleiro de xadrez dele. E as vezes, sem querer, observava o garoto montando as peças e jogando consigo mesmo. Então, de repente, tudo desligou. Mira deu um pulo nas almofadas e começou a xingar enquanto andava em direção ao interruptor, e Ravi abriu as janelas. Olhei para o relógio, quatro e trinta e cinco da tarde, quando guardei o videogame e tirei o DVD de dentro dele.

      — Não abram o freezer. — disse Mira, com frieza. — Senão o vinho vai esquentar.

      — E você se preocupa com isso agora? — perguntei, rindo.

      — Não vamos beber hoje? — perguntou ela.

      — Já chega de beber, Miranda. Já se embebedou antes de ontem e ontem também, ouvi suas risadas do meu quarto. — Disse Ravi. — Hoje vamos nos entupir de Coca-Cola.

      Mira ficou um pouco para baixo, mas acabou aceitando. Recordando da noite passada, ela acabou desabafando sobre sua vida pessoal para mim. Com todas as coisas que me contou, acabei vomitando o achocolatado com vodca.

      Os pais haviam se divorciado quando ela estava no ensino fundamental, e isso não havia a destruído tanto quanto destruiu Ray na separação dos pais dela. Basicamente, o seu pai traía sua mãe secretamente, e um dia, Mira descobriu, e viu uma das amantes dele dormindo na cama dos seus pais enquanto sua mãe dava aula numa faculdade do outro lado do país. A mulher estava praticamente pelada, e Mira perguntou quem era ela, e a outra disse que era a "namorada do Sérgio" e Miranda ficou devastada. O pai, Sérgio, não havia contado para a amante que era casado e isso a afetou muito.

      A Miranda de treze anos quebrou um vaso de porcelana na cabeça daquela mulher, e brigou com seu pai. Se debatia, gritava, socava a porta. Ela fez um escândalo tão grande que ligou para a mãe, chorando, desesperada, contou tudo. Sua mãe voltou para casa imediatamente e discutiu feio com seu pai, e os dois assinaram os papéis de divórcio no mesmo dia.

     Enquanto sua mãe voltava para cá, São Paulo, chorava muito, aborrecida. Mira então percebeu o que fez, e a ficha caiu: ela causara o divórcio dos pais. Apesar de não ter culpa nenhuma e ter feito a causa certa ao tirar sua mãe daquele relacionamento tóxico, ela ainda sentia-se culpada já que a mãe desenvolveu depressão, e vivia de antidepressivos e remédios para síndrome de pânico. Hoje, ela vive em um quitinete, trabalha em uma escola de ensino fundamental aqui na cidade, vive no pouco salário e da pensão do ex-marido, que paga o colégio interno da filha.

Reacendendo-meOnde histórias criam vida. Descubra agora