Capítulo 54

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– Você está horrível.

– Que jeito bom de atender à porta. – Passei pelo Ucker e me joguei no sofá.

Tínhamos combinado de jogar raquetebol naquela noite, mas ele ainda estava de terno.

– Eu não sabia que precisava me vestir bem.

– Não estava falando da sua roupa. É você quem está com uma aparência péssima. Você tem dormido?

Eu não estava dormindo bem, porque tudo na minha vida andava mal. Nos últimos dias, tinha encontrado a Diana no túmulo do meu irmão e tive de ouvir um sermão. Depois, vi na TV a notícia da soltura do canalha do ex- marido da Anahi e, por fim, naquela tarde fui colocar uma calça jeans que tinha voltado da lavanderia e achei uma calcinha fio dental de renda vermelha da Anahi dentro da sacola de roupa limpa.

Esqueci que a havia encontrado debaixo da cama quando inspecionei o quarto, antes de devolver o apartamento. Enfiei a peça na mala e a mandei para lavar junto às minhas roupas quando voltei para casa. A descoberta da calcinha me excitou por um momento, até eu me tocar de que tinha lavado e não conseguiria mais sentir o cheiro dela, nem se tentasse muito.

– Só bastante ocupado no trabalho – menti.

Ucker balançou a cabeça.

– Que papo furado. Tanto faz. Você pode tentar enganar todo mundo ao seu redor, mas não pode enganar a si mesmo, babaca. Vou trocar de roupa.

Enquanto ele foi se trocar, Maite entrou pela porta da frente com Caroline. Ela colocou o indicador sobre a boca para que eu fizesse silêncio enquanto andava na ponta dos pés com a bebê no colo. Entrou no quarto da pequena e voltou com a babá eletrônica um minuto depois.

– Desculpe, ela estava um pouco manhosa, então a levei para um passeio e agora a fiz dormir. Não queria acordá-la.

– Como vai a minha amendoinzinha?

O rosto da Maite se iluminou.

– Ela é o máximo, mas sei que sou suspeita para falar. Ela andou até a cadeira e sentou à minha frente.

– Você quer ter filhos um dia, Alfonso?

Aquela era uma pergunta que eu odiava responder. Querer filhos e poder tê- los eram duas ideias muito diferentes. Então, enquanto a resposta era que eu adoraria ter um gurizinho um dia, respondi uma meia-verdade que já vinha automaticamente à minha boca.

– Não vejo filhos no meu futuro.

– Por quê?

Merda. Embora eu conhecesse Maite havia anos, ela sempre tinha sido somente a mulher do meu amigo. Uma peça vermelha no tabuleiro no qual eu era uma peça preta. Eu andava ao redor dela, por cima dela, mas nunca parava na mesma casa. Não tínhamos esse tipo de conversa. Obviamente, ela tinha uma razão para se interessar por mim agora, não somente como amigo do marido dela, e esse interesse me irritava. Olhei por sobre o meu ombro, esperando que o Ucker já estivesse vindo interromper. Mas não estava.

– Algumas pessoas nasceram para ser tios legais, não pais.

A maioria das pessoas respeitava o meu jeito vago de falar. Não a Maite.

Ela estreitou os olhos e questionou:

– Você é sempre tão evasivo quando lhe fazem perguntas? Acho que nunca tinha prestado atenção nisso antes.

A minha mão foi imediatamente para a gravata, para soltá-la, só que eu não estava usando gravata. Antes que eu pudesse responder à sua não pergunta, ela disparou de novo:

– Você foi ótimo com a Alicia. Talvez devesse se dar o devido valor.

– A Ali é uma menina muito legal.

Ela me estudou como um detetive analisa um suspeito. Esperou o surgimento de qualquer sinal no meu rosto para falar.

– A Any lida muito bem com ela – Maite disse.

Desviei o olhar sob o seu escrutínio, mas ela provavelmente percebeu que estremeci quando ela trouxe à tona o nome da Anahi

– Ela lida, sim. – Maite esperou até os nossos olhos se cruzarem. Eu sempre usava esse truque com a Any quando ela tentava me evitar.

– Pena que o pai dela logo estará de volta. Ele será solto na semana que vem. Um mês antes, por causa da lotação do presídio. Com certeza a situação da Alicia terá de passar por adaptações.

Assenti.

Mas ela não parou de me cutucar.

– E a da Any. Tenho certeza de que ele tentará usar a Alícia  para se meter o máximo que puder na vida da Any.

Foi impossível ficar calmo. Mesmo que eu ficasse parado, sabia que a minha cara mostrava que eu poderia estrangular alguém.

– A Anahi é mais esperta que isso.

Maite apostou para ganhar.

– Ela é... mas está vulnerável neste momento.

Por sorte, o Ucker finalmente terminou de se arrumar. Ansioso para dar o fora, me levantei.

– Já era hora. Vamos nos atrasar. Eles só tinham uma hora de quadra disponível.

Ucker olhou o relógio.

– Temos bastante tempo.

Babaca.

Ignorando-o, abaixei e beijei o rosto da Maite.

 – Foi bom te ver, Maite.

Ela fez uma cara de "sei" e ficou em pé. Ucker estalou os dedos.

– Esqueci a minha raquete. Já volto. – O meu futuro ex-amigo desapareceu de novo, deixando-nos, Maite e eu, fitando um ao outro. Depois de nos encararmos em silêncio, ela estendeu a mão e apertou o meu braço.

– Ela está apaixonada por você – ela pontuou de forma delicada. – Mas o Manuel tem muita lábia...

– Você está pronto? – Ucker chamou, aparecendo no corredor de novo. 

– Sim. – Olhei para Maite. 

– Boa noite.

Sex without love? - AyAOnde histórias criam vida. Descubra agora