Capítulo 61

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Minnie foi a minha última consulta do dia. Não era profissional ter pacientes favoritos, mas eu a atenderia mesmo que não fosse paga para isso.

Ela encarou o botão do elevador com rugas de preocupação por todo o rosto. Só verificou se a porta estava mesmo fechada três vezes antes de eu guiá-la até o elevador. Não verificar uma quarta vez a estava matando. O comportamento obsessivo-compulsivo não tem a ver com não resistir à compulsão. Tem a ver com a inabilidade de parar de pensar sobre a compulsão quando você resiste a ela. Ela não precisava averiguar se a porta estava fechada uma quarta vez, mas ela não conseguia parar de pensar a respeito. Tentei distraí-la enquanto esperava pelo elevador, lento como uma tartaruga.

– Então... o Alfonso voltou.

Pronto, consegui distraí-la. Ao menos por enquanto.

 – Ah! Eu sabia que ele ia cair em si.

Sorri.

– Você sabia, eu não.

As portas do elevador se abriram, e tive de colocar a minha mão no ombro dela para ela conseguir entrar. Não era fácil para ela sair daquele andar. Mas hoje eu queria descer com ela até o hall de entrada: sair do elevador e esperar outro elevador para voltar e confirmar, enfim, se a porta estava mesmo fechada. Quebrar padrões toda semana estava funcionando, mesmo que lentamente.

– Você estava certa, aliás. Ele tinha mesmo um segredo do qual estava tentando me proteger. Ele pode ter uma doença. Bom, é complicado, mas ele estava com medo de se envolver comigo e acabar me fazendo passar por anos difíceis, do ponto de vista médico.

Minnie ficou quieta quando saiu do elevador e apertou o botão para chamar o outro. Eu sabia que era difícil para ela se concentrar, até que fosse possível aliviar o motivo do seu estresse. Hoje era o elevador que a levaria de volta ao andar em que tínhamos estado o responsável por aliviar sua ansiedade, pois ela logo poderia tocar a maçaneta de novo.

Uma vez que as portas do elevador se fecharam, Minnie suspirou aliviada e falou:

– Há trinta anos, quando estava tentando lidar sozinha com a minha doença, eu afastava as pessoas porque não queria que elas me impedissem de fazer o que eu fazia. Eu sabia que as pessoas tentariam me ajudar, mas isso significaria parar de verificar se a porta estava fechada, entre outras coisas, e é claro que só de pensar nisso ficava estressada. Eu afastava as pessoas em vez de encarar os meus medos.

Assenti.

– Acho que é isso que o Alfonso tem feito todos esses anos. Ele não fez o exame por todo esse tempo porque não queria ter de lidar com o resultado. Era mais fácil afastar as pessoas do que ser pressionado a fazer o exame antes de se sentir pronto.

As portas do elevador se abriram no andar da Minnie. Ela saiu e seguiu correndo para o corredor, o que me fez sorrir. Passo a passo. Vi lá do elevador que ela checou a maçaneta mais uma vez antes de voltar até mim. O rosto dela estava aliviado.

Apertei o botão para descermos.

 – Você está bem?

Ela fez que sim com a cabeça.

– Próxima parada: mercado. – Hoje íamos fazer tarefas cotidianas juntas. Embora pareçam fáceis, elas dão a oportunidade de trabalhar com várias compulsões. No táxi, ela teria de checar a porta quatro vezes; no mercado ela contaria o troco quatro vezes. Eu tinha um plano para quebrar cada um desses padrões. Mas, por ora, ela estava focada. Nós pegamos o elevador juntas e continuamos batendo papo como se uma compulsão obsessiva não nos tivesse interrompido.

– As únicas pessoas que eu mantive na minha vida por esses trinta anos foram as que me aceitaram do jeito que eu sou e não tentaram mudar a minha forma de viver. Acho que você sabe quantas pessoas sobraram.

Minnie tinha só uma irmã e a mãe. Não tinha amigos nem colegas de trabalho. Ela tinha se afastado do mundo todo para não ser questionada sobre as suas obsessões. Mas, como a mãe já tinha uma idade avançada e a irmã era casada e morava na Geórgia, ela se deu conta de que estava sozinha na maior parte do tempo. Foi assim que resolveu buscar a terapia novamente. Ela queria ter pessoas na vida dela e escolhê-las em detrimento da doença.

– Deixe-me perguntar uma coisa. Você teria se afastado de pessoas que nunca tivessem nem mencionado as suas obsessões e deixassem você viver da forma que queria?

Ela deu de ombros.

– Provavelmente não. Mas as pessoas não conseguem. Elas sempre querem me consertar.

Foi como se acendessem uma luz na minha cabeça. Virei para ela e a abracei com força.

– Minnie, esta sessão de hoje é por minha conta. É o mínimo que posso fazer por você ter resolvido o problema da minha vida amorosa.

Sex without love? - AyAOnde histórias criam vida. Descubra agora