O Diabo

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Rígel, após ter sobrevivido e escapado do buraco negro criado por Kaizer Nesc, foi para uma de suas colônias depois de uma demora astronômica, Themyscira, o lar das mulheres. Um planeta de cor rosa, sua atmosfera é azul e cheia de nuvens brancas, sua flora tem cor amarelada e possui um único satélite natural com metade de seu tamanho, chamado de Hipólita-IX. O ditador é recebido com flores e comemorações, está apenas com as roupas comuns, calça azul e seu manto preto de Monarca. A população acena para ele enquanto passeia carregado por seus súditos fiéis. Eles caminham até uma catedral e lá, uma mulher negra de tranças o espera, ambos se cumprimentam, Rígel desce de seus súditos e começam a conversar numa sala luxuosa, de madeira de alta qualidade, armaduras ao lado das portas, candelabros de prata nas paredes exibindo chamas azuis e dando assim, um tom colorido para a sala.

-Que saudades que eu tenho de Themyscira, já estudou como eu conquistei esse planeta?
-Foi em sua grande batalha contra um exército de mulheres guerreiras.
-Foi uma batalha incrível, mas como sempre, eu que ganho. Pois bem, sente-se.
-Obrigada.

A mulher puxa a cadeira e ambos se sentam, divididos pela mesa do escritório.

-Electra de Touro. Eu te convidei para uma conversa, pois você está escrevendo um livro sobre mim, uma biografia.
-Sim, Vossa Majestade, você é uma figura importantíssima para a história de Fantasia. Além de você, também fiz uma para seu irmão, o Monarca Branco.
-Então... - Ele mostra uma voz preocupada, colocando a mão próxima a boca. -Temos um probleminha, senhorita Electra Dayie. Eu gostaria, que você mudasse algumas coisas.
-Tem certeza? E se te denunciarem por censura?
-Vão nada, o povo me ama.
-Hm... E no que seriam essas mudanças?
-Bem, você escreveu sobre nossa amada Esparta, sobre como nosso Reino cósmico se expandiu e toda sua glória, mas... Acho desnecessário você falar sobre os kreelans e os elements.
-Mas é um detalhe muito importante para nossa história, muita gente morreu no seu holocausto sanguinário.
-Mas nasceu ainda mais gente, isso ninguém fala. Eu criei um hospital com o nome da minha filhinha maravilhosa, público, eu me importo com os pobres, eu investi na saúde e curei muitas doenças. - Ele realmente se importa com os pobres, exterminar pessoas pobres é a primeira coisa a fazer na agenda e rotina diária desse ser desumano. -Acho isso um absurdo, as pessoas vão achar que eu sou um monstro.
-E o que quer que eu faça? Quer que eu deixe implícito, que eu encurta essas passagens?
-Apaga. Apaga tudo. As guerras contra os elements, apague o fim.
-Mas a vitória dos elements sobre você foi essencial para um dos capítulos da sua vida, reerguer Esparta.
-Não, não, eles não ganharam.
-Mas foi isso que aconteceu, milhões de soldados espartanos morreram.
-Não, calma que o que aconteceu foi o seguinte: Eu já ia fazer o tratado de paz e pedi para eles se renderem, mas meus soldados sabiam que os inimigos poderiam se aproveitar dessa fragilidade e os escravizarem, então preferindo a morte do que a escravidão, morreram como heróis, cometendo suicídio coletivo.
-Ahn, não, não foi isso não.
-Está escrito em nossos livros didáticos, essas informações foram averiguadas e confirmadas. É tudo verdade.
-Esses livros pegam os trechos modificados de um pergaminho dos antigos kreelans, que não confirmam essas mortes heroicas, mas sim que esses guerreiros foram capturados e morreram no mar tentando escapar. Foi nessa época que você começou a perder.
-Não, eu não chamo isso de começar a perder... Eu chamo de... Retirada estratégica. Entende? - O cínico nem olha nos olhos de Electra, mente na cara dura.
-Mas eu não posso apagar isso, são dados históricos.
-Por que falar de tristeza? Fala de como eu tirei Esparta de inúmeras crises, de como eu fui um líder bom para um povo, uma nação, um planeta, inúmeros planetas no Reino inteiro.
-Bem, tirando a guerra, eu poderia falar sobre suas políticas e principalmente, a sua religião.
-Ah sim, eu sou um homem de bom caráter, religioso, amo minhas filhas, amo minha esposa, escreve tudo isso aí, eu sou a figura desse povo.
-O que pode me dizer sobre sua esposa?
-Meyssa é uma mulher gentil. - Pelo menos isso ele não mentiu.
-Dizem que ela traiu você.
-Não, aquilo ali foi só um boato pelas mídias digitais.
-Muitos argumentam que a prova disso é a sua nova filha.
-Bellatrix? Ela puxou a cor da minha mãe, ela era negra.
-Mas ela não tinha olhos vermelhos.
-Sim, realmente, mas o que acontece, é que Bellatrix nasceu com uma genética ruim. Os olhos vermelhos, o coração dela é fraco, ela pode morrer a qualquer momento. Tadinha, eu não estou pronto para ver outra filha minha morrer...
-Também vimos na Cúpula dos Monarcas, a Princesa Saiph está com o braço direito amputado. Segundo relatos, teria sido você. Aliás, outros relatam que você espancou sua filha dentro do próprio castelo e ela fugiu de casa.
-Não, eu só bato na minha filha quando ela apronta. Quando me irrita. Mas vem cá... Você falou de uma Cúpula dos Monarcas?  Eu não estou ciente, estive no espaço.
-Bem, contando as novidades... A guerra acabou; Rainha Meyssa declarou estado socialista; Seu irmão, Betelgeuse, o Monarca Vermelho interferiu na guerra; Esparta se aliou ao Reino Negro e ao Reino Púrpura e o Monarca Dourado, Risen acabou com a interferência tecnológica.
-A guerra acabou? Como assim a guerra acabou?
-Sua filha e a namorada dela fizeram um acordo com a Princesa Bária.
-Minha filha fez o acordo e está namorando? Isso é um absurdo, quem tem que tomar essas decisões sou eu.
-Até mesmo com quem sua filha namora?
-Sim, a filha é minha e não é maior de idade, ela tem que fazer o que eu mandar. Eu estava arrumando um casamento com um duque.
-A sua filha saiu na frente, ela já se antecipou.
-Com quem ela está?
-Está com a general Denebola, os Kaizers, os seus guerreiros de elite e seu irmão.
-Meus soldados? Alhena não fez nada?
-Alhena está morta. Aliás, Solaris de Pégaso relatou que ela era sua escrava e muitas mulheres espartanas, começaram a levantar a bandeira do feminismo, achando um absurdo.
-Olha... Eu posso explicar. - Ele levantou o tom de voz para a ouvinte. -Eu não sou misógino.
-Eu não te chamei disso. - Electra notou que ele já estava se doendo.
-Alhena era uma opositora, mas depois de diálogos entre mim e ela, ela começou a gostar de mim como Rei, ela se tornou submissa a mim.
-Você concorda com submissão da mulher?
-Não, em Esparta nós somos totalmente livres. Embora nossas meninas aprendam desde cedo em nosso sistema de educação, a serem mães, em nenhum momento meu governo pregou misoginia. Minha mulher, Meyssa, ela é apoiadora dessas causas importantes, sobre antirracismo, sobre feminismo, sobre o preconceito contra pessoas lésbicas, trans, bissexuais, gays. - A língua dos seltene macht é diversa, mas em Esparta é falado o grego e o árabe, por mais que "gay" seja inglês, retirar o termo seria exclusão. -Eu respeito essas causas. Em Esparta não existe homofobia. - Pelo menos ele disse outra verdade. -Nós adotamos a homossexualidade e outros gêneros como natural, no máximo existem uns seguidores meus que são extremistas e não aceitam.
-E enquanto a sua misoginia?
-Como eu posso ser misógino se eu tenho esposa e filhas? Eu amo elas.
-Você falou que sua filha não deveria namorar com quem ela quisesse.
-Eu não disse isso, você que está colocando palavras na minha boca, por mim, se ela quiser fazer o que quer, faça, mas só quando estiver fora do meu castelo. Enquanto ela morar comigo, ela tem é que me obedecer e acabou.
-Bom, ainda assim, a sua característica mais óbvia é o racismo.
-Não, eu não sou... - Ele desviou o olhar e pensou no que iria dizer. -A guerra entre nós e os elements não é racial, é cultural, é o que a tal esquerda chama de "cultura do estupro", eles são totalmente machistas, mataram e estupraram muitas mulheres nossas. - Ele tenta pagar de bom samaritano, mesmo sabendo que está falhando. -É uma cultura terrível, mas se você perguntar pra eles, é claro que eles vão negar essa "cultura do estupro". - Falou o hipócrita. -Eu sou uma pessoa de cultura, eu pinto quadros, vou a igreja...
-Entendi... Quer que eu corte mais o quê?
-Queria que falasse bem da minha figura, como sou exemplo de homem, alguns amigos até me exaltam.
-Por que eu deveria escrever sobre sua masculinidade num livro de história?
-Ah, detalhes, detalhes. - Disse com voz brincalhona. -Sabe? Minha vida é cheia de bons capítulos, não devemos só focar nas coisas ruins.
-Vossa Majestade, acho que você deveria procurar outra pessoa para fazer essa biografia, vai ficar tudo confuso.
-Não. - Novamente levantou a voz para a mulher. -Apenas faça, afinal, uma mulher escrevendo sobre mim traria melhorias para minha imagem, que tanto tentam distorcer.
-Ainda assim, vazaram fotos de Alhena, presa à correntes, nua e espancada num calabouço. Esse é o seu "diálogo"?
-Não estou ciente dessas imagens.
-E sobre o orfanato que ela protegia?
-Uma tragédia, uma grande tragédia que eu queria ter impedido de acontecer. Mas nem tudo está ao nosso alcance.
-Mas foi você quem ordenou isso.
-É mentira.
-Como pode simplesmente afirmar que é mentira sem apresentar provas?
-Porque não fui eu, estava fora de Esparta quando isso aconteceu.
-Segundo a sua esposa, você teria forçado seus homens a fazerem isso.
-Não, eu nunca faria algo assim, Alhena me respeitava e eu respeitava ela.
-E sobre seus homens terem assediado ela diversas vezes?
-JÁ FALEI QUE TENHO NADA HAVER! - Ele se exalta, tosse um pouco de fumaça preta de seus pulmões e se acalma. -O ar ficou superaquecido no espaço, preciso readaptar a troca de gases... Continuando... Não é culpa minha que meus homens tenham feito isso, ela tem um pouco de culpa também, devem ter fotos dela usando roupas curtas e chamativas.
-Vossa Majestade está dizendo que ela estava fazendo isso por atenção?
-Sim, ela saiu daquele jeito por vontade própria, é responsabilidade dela, óbvio que teriam consequências.
-Alhena de Gêmeos era uma mulher muito reservada, andava quase sempre agasalhada e apenas saía "chamativa", como disse, apenas quando estava acompanhada da família e dos amigos. Ela não estava vestida de vagabunda, seus homens é que pensam como estupradores.
-Você falou, falou e só quer colocar a culpa de tudo em mim, não é? Parece a esquerda, não tiram meu nome da boca, vivem falando de mim. Em que momento chamei ela de vagabunda? Olha, esfria a cabeça e vamos conversar sobre isso outra hora, entendeu?
-Não! Como Rei, você deve mostrar honra, liderança e benevolência. Você apenas está colocando suas polêmicas debaixo do tapete.
-Levantou a voz pra mim, certo, você está exaltada e totalmente desequilibrada.
-Você levantou a voz para mim várias vezes e não te critiquei, não seja hipócrita.

Rígel respirou profundamente, estava sendo confrontado e contrariado por uma mulher, não estava paciente.

-Olha... É que você não vai querer discutir comigo, você acha que está certa, é tudo perspectiva. Se você acha que é verdade, então é. Eu não falei nenhuma mentira. - Pinóquio tem inveja.

Electra se levanta e sai da sala apressada.

-Uh... Deixa eu escrever aqui para lembrar depois... - Rígel pega uma caneta e escreve na capa de um caderno simples. -Electra Dayie... Morreu... Num acidente... Não, seria suspeito demais... Morreu... Num durante uma tempestade... Sendo atingida por raios. Não... Mais de um raio também levanta suspeitas. Coloca apenas um. Pronto.

O Monarca Azul volta para as ruas, sob seu patriarcado, as mulheres de Themyscira se ajoelham para ele, mostrando suas visões conservadoras e submissas a ele. Sentado num restaurante, ele percebe os flertes das garçonetes, sua lavagem cerebral funciona perfeitamente. Na televisão, uma mídia ainda controlada pelo seu estado mostra o que o povo queria ver, o medo do comunismo, propagandas capitalistas e reacionarismo. Pouco depois, ele acaba visitando as escolas, mesmo em Themyscira, as matérias são manipuladas para aprenderem a serem submissas ao Rei e às leis, ao estado falho. Este, que era para ser o lar das mulheres, se resume ao caos capitalista, onde elas não são preparadas para um emprego, onde seus empregos servem apenas para gerar lucro à empresários homens que não se importam com lutas e causas... Rígel tem cada mulher deste planeta aos seus joelhos, começa a pensar em adultério, sabendo que Meyssa o traiu, mas pensando em sua imagem pública, ele fez o mínimo em não tocar naquelas mulheres.

SaiphOnde histórias criam vida. Descubra agora