Infância

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Enquanto um bebê humano demora cinco à seis anos para se tornar consciente, os bebês Seltene Macht demoram até três. A "Baby Saiph" na janela admira a paisagem, sua mãe está arrumando seu cabelo.

-Aai... Mãe, está doendo muito.
-Para de mexer a cabeça,você vai acabar descabelada.

Um bando de alunos saiu correndo numa velocidade imensa.

-Mãe,quando eu vou ir pra escola?
-Você e sua irmã vão juntas, só precisa esperar ela crescer.
-Mas quando?
-Acho que daqui à duas translações, mas se depender do seu pai ele te colocaria agora.
-Por que? Não quer que eu vá?
-Eu quero que você vire uma moça de valores, não uma guerreira. Você poderia virar advogada ou médica...
-Mas e se eu quiser virar policial?
-Bom... Não sei como iria reagir se um dia alguém batesse na porta e me disserem que você morreu. Me promete que não vai deixar a mamãe triste?
-Eu prometo. Mas mãe e se o papai matar o bandido antes? Como o papai sempre faz? Aaai,meu cabelo.
-Desculpa, o que dizia?
-Não é errado matar o malvado?

Meyssa pegou a outra cadeira e sentou-se ficando cara-a-cara com a filha.

-O nosso sistema é corrupto, seu pai é corrupto. Nos tempos que o seu avô era rei, nós podíamos ser pobres e conquistar as coisas com esforço, eu teria VIII irmãos se eles não tivessem morrido.
-Como eles morreram?
-II morreram na Primeira Guerra, I nasceu com "defeito", minha irmã mais nova morreu devorada por uma serpente alada e os meus outros III irmãos foram mortos por não apoiarem o seu pai... Eu também deveria ter morrido como eles.
-Por que o papai é assim?
-A dor é capaz de transformar a nossa forma de pensar... 
-O papai está machucado?
-Muito, minha filha... Muito.
-Faltou um irmão.
-Eu não faço ideia de onde ele está, ele é o caçula da família e era ele que nos protegia. Você entende? Nem todos os que são contra as leis são maus.
-Mãe.
-Oi?
-Me dá um abraço?
-Oh, vem cá.

O suéter roxo de Saiph nas costas tinha uma coisa escondida por trás, Meyssa percebeu o barulho ao abraçar e pergunta:

-O que é isso?

Saiph começou a correr e Meyssa foi atrás

-Raargh, você não vai escapar de mim sua coisa fofa!  

Saiph entrou no quarto e se misturou entre os brinquedos amontoados perto da cama. Meyssa finge que nem viu ela se escondendo. Seu quarto tinha um tom de azul-galático, sem cortinas nas janelas circulares e o teto era decorado para parecerem as estrelas no céu.

-Onde está a minha princesinha? Cadê minha princesa?

Ela vai desenterrando até tentar encontrar e nada. Saiph se escondeu debaixo da cama de forma ligeira.

-Como? Saiph, meu amor pela vida? Onde você está?

Saiph agarra sua mãe pelos pés com suas mãos geladas, que grita de susto.

-Pela última vez, não faça mais isso.
-Vou falar pro papai que você ainda acredita no monstro da cama.

Meyssa pega a filha pelo colo e lhe acaricia com o nariz.

-Agora, você vai me explicar o que você pegou?
-Sim...

Ela retira um saco de lanches assados.

-Uhhhhg.

Meyssa faz cara de suspense.

-Pegando lanche antes do café da manhã, que feio Saiph! Pede desculpas.
-"Disculpa"...
-Hm...
-...

A pequenina abaixa a cabeça,se lamentando. Meyssa lhe olhava com seriedade.

-Agora dá uma pra mamãe.

O sorriso na cara da criança logo voltou. E ela pega um pedaço e começam a dividi-lo. Elas passam a manhã indo para fazendo lanche num ponto de transporte, desde cedo Meyssa quer ensinar humildade à sua filha e o melhor jeito é a empatia, ajudando os pobres de seu reino em decadência econômica. Em suas ruas é muito visível desabrigados, povos de outras raças do espaço sofrendo preconceito, as leis são uma grande hipocrisia e o desemprego é alto... Em Esparta, uma grande parte dos que ainda tem seus empregos é por conta de terem alguma relação parentesca ou amizade com um superior, em consequência é um planeta desorganizado.

-Por que eles estão chorando?
-São tempos difíceis para todo mundo... Para todo mundo.

Um morador de rua se aproxima da rainha e lhe pede uma Astra, o dinheiro universal. Vestindo um manto cobrindo o rosto todo.

-Um momento moço.

Ela coloca a filha no chão e pega a bolsa, vai mexendo e dá à ele uma moeda de cor azulada, de um lado uma coroa com "I" destacado e no outro lado o rosto de Rígel, barbudo, cicatriz no pescoço como um raio, sobrancelhas grossas e seu capacete. Enquanto a rainha estava distraída, Saiph olha para a mão do homem e vê um anel que marca toda a constelação de Dragão e tem um dragão desenhado de forma leve. Ela então diz:

-Que bonito. Olha só mãe.
-Onde você comprou?
-Eles não estão vendendo no momento.

No transporte público, o rei poderia até ser um ignorante... Mas se é "Público" todos tem o direito de usar, portanto o transporte é grátis. O vagão emite um som alto e desconfortável, começa a flutuar e começa a ganhar velocidade, seus motores superpotentes custam o olho da cara para conseguir um original... A pirataria está em toda parte.

-Mãe, como você e o pai se conheceram?
-Quer a versão feliz ou a versão triste?
-A feliz!
-Certo, um dia qualquer eu estava admirando o céu até que seu pai, tinha deixado um medalhão cair enquanto corria. Eu peguei, alcancei ele e devolvi e vivemos felizes para sempre.
-Isso aconteceu mesmo?
-Não, claro que estou inventando... A realidade está além de sua compreensão, minha filha. Se preocupe com o futuro, o passado só nos traz más lembranças e sofrimento.

A porta do veículo se abre e um homem sem uma perna entrou, Saiph sendo gentil oferece seu lugar para ele. Meyssa vê a boa ação e lhe diz:

-Está no caminho certo.
-O vagão?
-...

O senhor sem perna diz:

-É uma boa menina, que as estrelas lhe iluminem.
-Obrigada.

Um vendedor aparece no transporte vendendo doces, água e acessórios. A pseudo fome ataca Saiph, ela está satisfeita, porém quer comer doce... Típico comportamento de crianças. Meyssa compra algumas coisas, dentre elas um fone de ouvido barato com apenas um dos lados funcionando. 

-Como é que agradece o moço, Saiph?
-Obrigada, que as estrelas te iluminem!

Ao saírem, as duas vão até uma biblioteca. Mesmo sendo proibido crianças pequenas entrarem nesse locais de silêncio, este é diferente, é propriedade de Rígel. Ainda com apenas duas translações, Saiph tenta se destacar entre as crianças que sabem ler... Ela só consegue ler poucas sílabas e trava na frente de todos quando é sua vez de contar sobre seu livro. Os garotos chamavam ela de burra, nem mesmo com a ajuda de sua mãe ela conseguiu passar a primeira página... Que só tinha uma fala. Qualquer criança teria chorado por tal fracasso e humilhação, talvez se frustrado e atacasse quem lhe insultava, mas Saiph ficou calada e saiu da sala sem olhar para trás. Meyssa foi vê-la em seguida.

-Está tudo bem minha filha, está tudo bem... Escuta, isso é só inveja. Eles sabem que nunca vão ser inteligentes como você.
-É mentira... Você me acha burra que nem eles. Eu vi você rindo.
-Olha... Eu admito, você estava lendo de cabeça pra baixo no início... Por isso eu acabei rindo. Mas escute não liga para eles, certo?
-Certo.
-Eu te amo, dá um abraço.

Tinha algo muito estranho nela, ao dar o abraço ela começou a ter um soluço. Mas não tinha uma única lágrima querendo escorrer de seus olhos, essa menina nunca chora. Meyssa começou a se preocupar, ela puxa duas luvas médicas e pega em sua bolsa uma lanterna pequena.

-Fica paradinha, um instante...

Ela analisa sua filha rapidamente, ela nem sequer pisca com a luz em seus olhos.

-O que foi? Eu estou doente?
-Não, minha filha... Você está... Bem... Acho que até demais.


SaiphOnde histórias criam vida. Descubra agora