Um encontro inesperado em Whitechapel

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Londres, 1861

O horário dos criados se recolherem a seus dormitórios se aproximava. Assim, a casa logo ficaria silenciosa e sem movimentação. Eu me via diante do espelho, ajeitando o nó do lenço de seda em torno de meu pescoço. Eu já estava quase pronto para me esgueirar pelos corredores de casa a fim de sair sorrateiramente na noite.

Endireitei o colete e arrumei as mangas da camisa de algodão perfeitamente branca. As abotoaduras douradas me delatariam, mas creio que as damas que eu encontraria hoje não se importariam com isto. Decerto elas já se depararam com cavalheiros de origem nobre. Aliás, certamente se deparavam com eles o tempo todo.

Tomei o pesado casaco de veludo cinza em mãos e o vesti. Já adentráramos os primeiros dias da primavera, mas as temperaturas em Londres ainda não eram nada amenas e o vento cortante da noite que se chocava contra qualquer centímetro de pele desprotegida, fazia-a gelar como neve.

Agora eu estava pronto. Era preciso apenas descer as escadas, correr até os estábulos e montar em Kiggo, torcendo para que ele fizesse o menor ruído possível enquanto deixávamos Manchester House. Eu me olhei no espelho uma última vez, deslizando os dedos sobre os fios de cabelo. Eu estava nervoso, de alguma forma, apreensivo e ansioso. Aquela seria uma noite ímpar para mim, seria uma noite que estabeleceria uma divisão no curso de minha vida. Eu não seria mais o mesmo cavalheiro depois que a manhã chegasse.

Tio Armin me garantira que tudo ocorreria bem e que eu o agradeceria por aquele presente. E eu confiava nele, embora meu pai sempre me alertara que confiar piamente em um Hemingway não era a coisa mais sensata a se fazer.

Expirei o ar, forte e ruidosamente e girei o corpo na direção da porta. Eu deveria encontrá-lo às 23h30 na esquina da Parfett com a Fordham Street, em Whitechapel.

Whitechapel. As ruas mais degradantes de Londres. Contudo, não era como se alguém de Mayfair nunca houvesse pisado lá. Meu pai mesmo se aventurava a ir nas tabernas mais sujas quando era mais novo. Eu mesmo concordara com tio Armin em fazer esta excursão quando ele me assegurara que o que eu buscava aquela noite se manteria em sigilo nas casas de Whitechapel. Segundo ele, se eu procurasse a mesma coisa em endereços mais sofisticados, provavelmente me reconheceriam e tomariam conhecimento de minha experiência. E isto era exatamente o que eu queria evitar. Fofocas e mexericos a meu respeito.

Levei a mão ao bolso direito do colete, então notei que o relógio de bolso não estava lá. Vasculhei no bolso esquerdo e nada. Tateei o casaco, buscando a peça quando enfim me recordei que o havia deixado na mesa do escritório. Suspirei. Seria este um sinal para que eu desistisse daquela ideia? A dúvida ainda pairava em minha mente, o conflito entre o anseio e a insegurança. Eu não estava certo de que precisava fazer aquilo.

Ainda assim, decidi buscar o relógio. Eu teria mais alguns poucos minutos para decidir se iria em frente ou não.


~*~


Abri o armário com as portas de vidro, retirando de dentro a garrafa com o líquido amarelo amarronzado, servindo uma dose no pequeno copo que retirei da bandeja de prata que repousava ao lado da garrafa. Entornei o líquido de uma vez, o álcool descendo e queimando minha garganta, esquentando o interior de meu corpo. Não nego que fizera isto para adquirir coragem, pois não havia melhor remédio que o álcool para que decisões, boas ou ruins, fossem tomadas.

Tão logo fechei a porta de vidro, sobressaltei-me com um chamado, distante, às minhas costas:

Dada!

Flor de East EndOnde histórias criam vida. Descubra agora