Café com sabor de embaraço

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Estávamos cada qual diante de nossos costumeiros lugares: eu, à frente da primeira cadeira do lado esquerdo da cabeceira da mesa, seguido por William e Andrew e Arthur. À minha frente havia uma cadeira vazia, que seria ocupada por minha mãe, de onde se seguiam minha avó Adelaide, Harriet, Rose e Margaret.

Eu me amparava no encosto da cadeira quando o duque e a duquesa, meus pais, surgiram na sala de refeições. Pareciam-me felizes; meu pai com uma das mãos apoiada nas costas de minha mãe, guiando-a com gentileza.

Ainda que o duque de Manchester evitasse ao máximo toda a etiqueta e excessos de formalidades dentro de nossa casa, nós sempre o recebíamos com um cumprimento educado. Um lacaio se apressou para afastar a cadeira da cabeceira para que sua senhoria se sentasse e meu pai, rompendo a etiqueta, como sempre fazia, repetiu o gesto do criado, afastando a cadeira de minha mãe. Os dois se sentaram ao mesmo tempo e só assim, nós nos permitimos tomar nossos lugares.

Um segundo lacaio começou a nos servir e minha avó foi a primeira a se manifestar à mesa:

– Eu estive pensando... Quando for a Londres, na ocasião do baile de meu aniversário, estenderei minha estadia por mais algumas semanas.

– Por qual razão? – Meu pai perguntou com serenidade.

Eu me concentrei no mingau de trigo e cebola que estava me sendo servido em uma tigela, simulando naturalidade.

– Harriet precisa de minha ajuda na sua próxima temporada.

– Por quê? – Foi a vez de minha mãe indagar.

Meus olhos agora se fixaram no líquido fumegante que era derramado em minha xícara.

– Será sua terceira temporada e esta definitivamente há de ser a última. Uma dama de valor e de família proeminente não deve ficar mais dois anos disponíveis para arranjos matrimoniais. Ela deve ser encontrada por um bom marido antes dos vinte anos.

– É ela quem deve escolher aquele que será digno de passar o resto de sua vida a seu lado. – Minha mãe respondeu e eu cometi o equívoco de erguer o olhar e contemplar o exato momento em que ela se virou para o marido, meu pai, ambos sorrindo um para o outro. Foi inevitável que em minha mente viessem as cenas da noite anterior. Constrangido, virei o rosto de volta à minha refeição.

– Uma jovem não deve e nem sabe escolher um noivo. – Minha avó contestou. – É por esta razão que os mais velhos e sábios da família fazem a intermediação para realizar bons casamentos.

– Creio que minha mãe não tenha compreendido. – Meu pai começou a dizer. – Katherine e eu decidimos que Harriet, e assim será também com Rose e Margaret, decidirá se um noivo é ou não adequado a si.

Minha avó apoiou o garfo no prato de uma forma ruidosa, o cenho se franzindo.

– Mas não iremos discutir isto na mesa do café da manhã. – Meu pai anunciou, evitando qualquer protesto que viesse de sua parte. – Ainda assim, serei condescendente com você, minha mãe. Se desejar saber mais a respeito das decisões que nós tomamos em relação a este assunto – ele fez questão de dizer nós, o que incluía explicitamente a tomada de decisão de minha mãe – podemos falar outra hora. O dia começou maravilhosamente bem e por ora, não pretendo me aborrecer.

Eu olhei de soslaio e flagrei o sorriso brilhante dele. Não por acaso, do outro lado da mesa, minha mãe esboçou um sorriso, acompanhado de um leve corar das maçãs do rosto.

Eu disfarcei antes que qualquer um dos dois notasse que eu os observava.

– Será que estão tão sorridentes por causa do que se sucedeu ontem? – William me sussurrou, perguntando, sem se virar para mim.

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