Deve ser você

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Se o recado era falso ou verdadeiro, não importava. Eu não iria deixar de averiguar se a encontraria no abrigo.


A tarde nas ruas de Whitechapel tinha uma aparência bastante distinta da noite. A pobreza e a morbidez de seus habitantes ainda estavam lá, eram intrínsecos daquele lugar, mas a escuridão e a atmosfera sombria e perigosa eram atenuadas com os raios de sol que lutavam para vencer as barreiras das nuvens cinzentas da cidade. Não era a primeira vez que eu me aventurava por lá antes do pôr do sol, mas creio que nunca havia reparado que naquelas ruas a vida era igual como em toda Londres: senhoras saindo para fazer as compras da casa, vendedores oferecendo os jornais ainda mornos das prensas, cavalheiros apressados para chegar nas tabernas, policiais fazendo suas patrulhas com seus chapéus bowler.

Felizmente, não fui importunado durante meu trajeto e ao chegar ao abrigo, notei que a porta estava destrancada quando girei a maçaneta. Quando a abri, espiei por uma pequena fresta, mas para saber se havia alguém o gesto nem teria sido necessário. O cochichar de vozes denunciava uma sala cheia. Devagar e sorrateiro, entrei, tomando cuidado para que minhas botas não fizessem barulho no piso de madeira.

Minha amiga estava de costas para quem entrava pela porta da frente. Sentada no chão, com o usual e excêntrico traje masculino, ela estava cercada dos pequenos órfãos.

Minha presença logo chamou a atenção de alguns deles, que ficaram a me encarar em silêncio. Foi só quando um dos garotos a seu lado, movido pela agitação dos demais, virou-se para trás, que Sophie indagou a todos eles:

– O que há de errado?

O menino, que reconheci ser um dos três pestinhas que me abordaram naquela memorável noite, apontou em minha direção.

– O engomadinho veio te ver, Eli.

Sophie se virou para trás no mesmo instante.

Eu levei as mãos aos bolsos da calça, fazendo o meu melhor para parecer confiante e altivo. Tentava reproduzir a postura que sempre via em meu pai: a presença marcante e respeitosa que já lhe era natural. Porém, creio que o duque de Manchester sequer precisava pensar em como se portar para transmitir alguma mensagem, como eu precisava fazer agora.

– Senhor Stretford? – Minha amiga teve o cuidado de não me chamar como se aquele fosse o meu título.

Caminhei sem pressa até ela e as crianças.

– Não esperava vê-lo aqui.

– Na verdade, eu também não esperava vir. – Falei, ainda com a postura ereta e sóbria. – No entanto, alguma boa alma me revelou que havia vindo para o abrigo esta tarde.

Sophie inclinou a cabeça para um dos lados.

– Quem lhe disse isto?

– Não me disseram exatamente. Recebi um bilhete com a informação.

Ela se levantou de imediato, as sobrancelhas se franzindo em alarde.

– E quem poderia ter feito isto?

– Eu... – olhei para as crianças, que me encaravam. Meus ombros penderam para baixo, minha postura altiva se desfazendo. – Eu não sei dizer. – Mas me recordei das palavras transcritas. Sua lady. A mesma forma com que o desconhecido do jardim se referira a Sophie. – Não, perdoe-me. Para ser honesto, suspeito de quem possa ter sido.

– Então, conte-me quem é.

Sophie parecia apreensiva. Eu dei um passo em sua direção, encurtando a distância que nos separava.

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