Um toque, um fiapo de sentimento

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Eu vistoriava o caderno de caligrafia de Jonathan enquanto a senhora Bentley catava piolhos dos cabelos de Juliet. As demais crianças estavam reunidas conosco, cada qual entretida em uma tarefa; seja com os cadernos de caligrafia, seja com os brinquedos de madeira que a senhora Bentley havia trazido da paróquia há poucos dias.

Em um dado instante, Oliver parou a meu lado, chamando-me a atenção:

– Eli, há um senhor parado à porta. Ele perguntou pelo senhor Grantham.

O gestual e olhar do garoto eram pura desconfiança. Eu me levantei do tapete onde estava sentada junto a Jonathan. Saquei o pequeno relógio de bolso, peça que dava a meu traje masculino total autenticidade, e olhei as horas.

Então encontrei a silhueta do cavalheiro alto de cabelos loiros. Lorde Stretford era mesmo pontual. A noite ainda não havia caído, mas o céu já adquirira um tom alaranjado e ele chegara na hora prometida.

– Milorde?

Ele, que estava de costas, virou-se imediatamente ao ouvir minha voz.

– Boa tarde, senhori – ele se corrigiu antes que fosse tarde – senhor Grantham.

– Boa tarde. – Acenei com o chapéu. – Vejo que o senhor não se atrasa em seus compromissos.

Ao ouvir isto, ele abriu um sorriso envaidecido.

– Um verdadeiro lorde nunca deixa uma dama esperando. Digo... – Stretford deslizou a mão pela nuca. – Creio que tenha compreendido. – Seus olhos varreram a rua, em busca de alguém que pudesse ter ouvido a frase que soaria com estranheza.

– Não se preocupe. – Dispensei sua inquietação fazendo um gesto com a mão. – Incomoda-se de aguardar alguns minutos? Preciso finalizar a tarefa de inspecionar os cadernos de caligrafia dos garotos antes de irmos.

– Leve o tempo que precisar, Grantham.

– Venha, entre. – Eu o convidei e tão logo seus pés pisaram no assoalho de madeira da sala, Oliver apareceu e puxou minhas calças, como um garoto que puxa as saias da mãe.

– Ele parece com aquele senhor que...

– Quase roubaram algumas noites passadas? – Stretford foi insolente em interromper a criança. – Não pareço com ele, pois sou ele.

– Quer que eu chame o senhor Manson, Eli? – Oliver perguntou baixinho, querendo evitar que minha visita ouvisse.

– Não, não. Nós nos entendemos. O cavalheiro não representa perigo.

O garoto me lançou um olhar insatisfeito.

– Tenho assuntos a resolver com o senhor Stretford. – Anunciei, na tentativa de fazê-lo nos deixar, mas o semblante de Oliver se fechou ainda mais e ele encarou minha visita de uma maneira mal-educada.

– Eli... – O menino tentou protestar.

– Vá. – Dei-lhe um safanão no traseiro. – Não me atrase por causa de birras.

Contrariado, Oliver se deu por derrotado e caminhou na direção de Frank e Gilbert. Eu os vi cochichando enquanto seus olhos fitavam a visita.

Stretford esboçou um sorriso vitorioso.

– Não irei me demorar. – Avisei-o, sem me importar com o embate de egos que se sucedera.

Enquanto eu retornava para as crianças, sua presença fora notada por todas elas, que pareceram curiosas. A senhora Bentley também o viu e Stretford lhe direcionou um aceno, fazendo-a sorrir de um modo afetado, o que me fez revirar os olhos.

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