Uma lady em trajes inusitados

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Minha manhã naquele dia se resumia às minhas obrigações. Após o desjejum, passei cerca de meia hora lendo as correspondências endereçadas a meu pai no escritório, até que as senhoras Robinson e Hughes chegaram. Na ocasião, apresentei-me a elas e lhes expliquei o contrato de trabalho. Não sabíamos ao certo por quanto tempo precisaríamos de seus serviços, pois a princípio, tratava-se de uma admissão temporária.

Eu afastara a senhora Moore devido a uma suspeita em relação a seu estado de saúde. Mais tarde, após uma consulta com o doutor Murray, meus temores se confirmaram e fui informado que a babá de meus irmãos menores havia contraído tuberculose. Por consequência, e por uma questão de precaução, afastei também a senhora Adler, nossa outra babá, que naturalmente estava em contato com a senhora Moore o dia todo.

Por ora, a senhora Adler não manifestara nenhum sintoma, mas acompanharíamos seu estado de saúde por algumas semanas. E claro, nenhuma das duas estaria desamparada durante este período de afastamento. Além de oferecer o tratamento adequado à senhora Moore, eu lhes prometera o salário em dia e eu estava certo de que meu pai, quando retornasse de viagem, não revogaria minha decisão.

Além das primeiras explicações, gastei o final de minha manhã e o início da tarde orientando-as e fazendo a apresentação da casa e dos demais criados.

Fiz uma refeição breve, sozinho, pensando nas corridas de William, que estavam por se encerrar. Meu irmão era excelente montando e domando um cavalo. Eu estava certo de que quando nos víssemos de novo ele me traria a notícia de ter sido campeão.

Antes de rumar aos estábulos, comuniquei a Wallace que iria me encontrar com alguns amigos de Eton, ali mesmo em Mayfair, mas me demoraria e que por isto, não deveriam me esperar para o chá das cinco.

Instantes depois, montei em Kiggo e deixei Manchester House.

Mas eu não iria a lugar algum em Mayfair. Eu estava voltando a Whitechapel.


~*~


As ruas daquele distrito tão mal falado eram bem distintas de dia. O ar sombrio e perigoso da noite não existia, mas ainda assim a atmosfera era tomada de pobreza e marginalização. As vias eram mais cheias de lixo que as grandes avenidas e os distritos a que eu estava acostumado a transitar e o cheiro dos esgotos fazia parecer que o Tâmisa corria bem ao lado daquelas casas aglutinadas. Uma das cenas que me chamou atenção foi a de um cachorro faminto, que dividia um saco de pão com um pequeno grupo de crianças sujas e maltrapilhas e ambos dividiam o resto, migalhas, com ratos que não se intimidavam em passear pelos paralelepípedos em plena claridade. Agora, testemunhando o cenário à luz do dia, questionei-me se meus sentidos estavam levemente falhos ou minha agitação por querer encontrar novas experiências mascarara a percepção de que aquele local era, sem dúvida alguma, bastante insalubre para se viver.

Um tanto quanto incomodado com aquele cenário, eu puxava Kiggo pelo cabresto, tentando dissimular certa naturalidade em andar por aquelas ruas. Ainda que eu houvesse escolhido vestir roupas menos requintadas, – os pares de botas, calças e camisa eram meus, mas acabei tomando um dos coletes de nosso cocheiro, sem que ele visse – o próprio Kiggo chamava atenção com sua pelagem brilhante e sua aparência jovial e saudável. Nada fidedigno a um cavalo que deveria viver ali, infestado de pulgas, sujo e com um olhar cansado de ser um animal de carga, carregando mais peso do que deveria.

Evitando encarar qualquer um dos transeuntes para não pôr em risco minha atuação, após algumas quadras, cheguei à construção em que deixara a senhorita Grantham na noite anterior. Discretamente, eu espiei por uma das janelas, cujo vidro estava quebrado. Mesmo com uma parca iluminação no interior da casa, pude discernir a silhueta da senhorita Grantham, a de um senhor robusto e de quatro crianças.

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