[Edward]
Para mim, a viagem até Manchester, até nossa real residência, havia demorado mais tempo que o habitual e havia sido mais enfadonha. Enquanto paisagens e paisagens se descortinavam pela janela da carruagem, meus pensamentos reprisavam as lembranças de meu último encontro com minha amiga, a senhorita Grantham. O cheio de cedro e flor de laranjeira, a maciez da seda de seu vestido, o contorno arredondado da forma de seu corpo e o toque de meus lábios finalmente conseguindo romper as barreiras de uma luva – e o decoro – para reverenciar sua pele delicada iam e vinham, rodopiando como folhas secas em um redemoinho de recordações.
Em meio a estas memórias, eu me forçava a negar, evocando o que se tornara quase um mantra durante o tempo em que eu sacolejava na estrada: "Nós somos só amigos. Só amigos."
Mas amigos não se beijavam como nós havíamos nos beijado. Amigos não desejavam o corpo do outro da forma mais indecorosa. Amigos não sentiam saudade de uma maneira quase dolorida. Ainda assim, meu juízo buscava por outra explicação.
Eu era homem. Esta era a razão mais simplória que eu poderia suscitar. Meus instintos mais primitivos sempre sobrepujariam meu decoro, minha educação como um nobre cavalheiro, não importasse qual fosse a situação, até talvez qual fosse a dama. Mas sendo quem sou, eu dissimularia, não agiria como um ordinário, porém o desejo permaneceria lá, dentro de mim como um inimigo adormecido que ameaça despertar a qualquer instante.
Contudo, confesso que desde os últimos acontecimentos era difícil não pensar naquele assunto exaustivamente. Aliás, parecia uma peça do destino que fora por causa de meus anseios que eu havia conhecido lady Grantham. Porque eu aceitara ir a Whitechapel para ceder ao charme de uma desconhecida e enfim consumar os prazeres da carne.
Mas afinal, por que eu havia chegado aos meus 19 anos sem ter passado por esta iniciação tão importante?
Não era segredo para ninguém que meu pai, por exemplo, fora iniciado aos 15 ou 16 anos, em uma ocasião levado por seu próprio pai. Então por que ele não havia se preocupado em ter feito o mesmo comigo? Ou com William?
Eu entortei os lábios, refletindo sobre seu descuido. Por que o ilustre duque de Manchester havia negligenciado isto?!
O pensamento também me fez relembrar que meu pai e eu não havíamos mais nos falado desde aquela discussão. Se havíamos trocado alguma palavra durante a viagem, foi por pura necessidade. E para ser sincero, eu não estava certo de que voltaríamos a nos falar da mesma forma de sempre tão cedo.
Suspirei. Esparramado em uma chaise longue, entediado, sem observar de fato as babás monitorando meus irmãos menores, fui desperto de todos aqueles devaneios ao ouvir a voz exultante de tio Armin. Sua chegada, no entanto, não era surpresa, pois eu sabia que ele estava nas imediações de Manchester por conta de seu trabalho na ferrovia.
– Minha família predileta está de volta! – Sua figura surgiu na sala onde estávamos. – Onde está Sua graça, o pai das crianças mais notáveis de toda a Inglaterra? – Com seu bom humor, ele olhou ao redor procurando pelo amigo.
– Suponho que deva estar ocupado com algum dever enfadonho. – Harriet foi em sua direção para abraçá-lo.
Meu tio fez uma careta em resposta àquela menção de deveres, depois logo se recuperou, abrindo os braços para receber minha irmã.
– Oh, minha princesa está cada dia mais formosa. – Ele deu um beijo no topo da cabeça dela.
– Não faz tanto tempo assim que me viu. – Harriet argumentou apenas por divertimento.
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Flor de East End
RomanceA noite pareceu promissora para o jovem Edward Walker: ele decidira descobrir os prazeres carnais que até então lhe eram desconhecidos aceitando o convite a uma incursão a Whitechapel, a área de Londres mais decadente e contrastante com sua vida de...