Um sujeito que nos tem em alta estima

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Aquele encontro na rua quando eu já estava próxima do abrigo me deixara atordoada.

"Perdão, milady".

O sujeito havia trombado comigo na calçada, mas se referira a mim como uma dama.

"Milady".

Porém, eu estava trajada com o costumeiro disfarce masculino: calças compridas, camisa branca de linho e suspensórios, sapatos lustrados nos pés e cartola na cabeça.

Não havia dúvidas de que algo estava errado. Eu podia sentir. Mas me corroía pensar no que exatamente, pois me era desconhecido. Será que Robert mandara alguém me seguir? Depois da visita de Edward, suas desconfianças se agigantaram, com evidente razão. Portanto, teria sido uma atitude esperada de sua parte. Por outro lado, um outro cenário me fazia vislumbrar que Whitechapel já havia descoberto que o senhor Grantham, provedor do abrigo supervisionado pela senhora Bentley, na verdade era a senhorita Grantham, filha de um falecido conde.

Qualquer que fosse a real razão, o desdobramento era terrível.

Eu andava de um lado a outro na cozinha, sem saber o que fazer. Depois que cheguei ali com as pernas trêmulas e respiração entrecortada, temia sair da casa e me deparar com alguma má surpresa quando fosse embora. As crianças aguardavam na sala, entretidas com alguns brinquedos que haviam sido entregues pela manhã, de um benfeitor anônimo. Eu havia pedido a um dos meninos que chamasse a senhora Bentley, mas aparentemente ela tinha deveres naquela tarde e não estava em casa ainda.

– O que a perturba? – A voz aveludada irrompeu inesperadamente pela cozinha.

Vire-me no mesmo instante.

– Como entrou sem permissão? – Ralhei.

Edward havia me assustado. E muito.

– A porta estava encostada, abri e avistei as crianças. Algumas delas me reconheceram e me informaram que a senhorita estava aqui. – Encostado no batente, ele me lançou um sorriso apaziguador sem sequer imaginar a aflição que me tomava.

– Estava destrancada? – Alarmei-me com a constatação repentina. – Oh, céus, devo ser mais cuidadosa. Aquela porta deverá ficar trancada à chave de hoje em diante para que ninguém entre ou consiga espiar por sua brecha.

Com isto em mente, apressei-me para deixar a cozinha, pronta para pôr em prática o que eu dissera, mas os braços de Edward me aprisionaram pela cintura. Ele me arrastou de volta para dentro do cômodo e colou meu corpo no seu, uma das mãos se atrevendo a sustentar meu queixo e virar meu rosto em sua direção.

– Não se preocupe à toa.

Então, seus lábios me cumprimentaram com um beijo delicado.

Eu tentei não me render a ele.

– É assim que pretende me cortejar? Comportando-se de maneira imprópria?

– Deixemos o cortejo apenas para quando seu irmão estiver presente. – Sua resposta veio em um tom indolente.

Contudo, eu me desvencilhei dos braços dele.

– Não. Devemos ser cautelosos. Não estou certa sequer que seja seguro que permaneça em minha companhia. Podem até estar nos vigiando de algum lugar.

Dei dois passos para me afastar de Edward.

– Não encontrei ninguém com atitude suspeita enquanto estava a caminho.

– Mas não estava atento para reparar se havia alguém suspeito.

– Eu teria percebido se houvesse.

Flor de East EndOnde histórias criam vida. Descubra agora