– Como ousa? – Ela, definitivamente era ela, repreendeu-me ao mesmo tempo em que tentou tomar o pork pie de minhas mãos. Sabidamente, eu as afastei de seu alcance.
– É uma dama! Vestida em trajes de cavalheiro!? – Eu exclamei quase em tom de acusação, porém não intencional.
A desconhecida deu um passo em minha direção em uma nova tentativa de reaver o chapéu. Eu cruzei os braços atrás das costas, escondendo-o.
– Devolva-me! – Os olhos escuros dela varreram os arredores rapidamente, certamente temendo que alguém estivesse testemunhando a cena e descobrisse seu disfarce.
– Por que se veste assim e defende os três trombadinhas? – Eu a indaguei.
– Não fale assim dos meus meninos! – Ela me recriminou mais uma vez.
– Seus meninos? – Eu tentei analisá-la, mas a escuridão do local tornava a tarefa difícil. Ainda assim, pelo pouco que pude notar em suas feições, constatei que era uma dama jovem. Não parecia ter idade suficiente para ser a mãe daqueles pestes, mas isto não me impediu de lhe perguntar: – Acaso são seus filhos?
– Não, não são. – Seu olhar era firme e imperativo. – Agora devolva meu chapéu. Já lhe devolvi seus pertences, portanto, pode seguir seu caminho e nos deixar em paz.
Eu meneei a cabeça em tom de consentimento. Trouxe a mão que segurava o chapéu à sua vista novamente e fiz menção de que iria lhe devolver. Porém, no último instante, quando a mão da desconhecida alcançava a minha, afastei-a bruscamente.
– Antes, devo adverti-la: não deveria estar vestida com... – meus olhos passearam pela silhueta de seu corpo – este traje.
As sobrancelhas dela se franziram, os lábios se retorceram. Sem se dar ao trabalho de me responder, a dama abriu a palma da mão, exigindo que eu lhe entregasse seu pertence.
Desta vez eu o fiz e rapidamente, a dama escondeu os fios escuros, acomodando-os na concavidade do pork pie. E, sem que sentisse que me devia algo, virou-se, pronta para seguir seu caminho. Eu me vi parado por um instante, mas um novo ímpeto me tomou e eu a segui quando seus pés se moveram.
– Espero que não esteja envolvida em nenhuma questão escusa. – Eu declarei, dispondo-me a seu lado. Os três garotos caminhavam a poucos passos de distância de nós.
– E se estiver, o que o senhor tem a ver com isto? – Ela respondeu com petulância, sem virar o rosto em minha direção.
– Seria esta a razão que a leva a se vestir assim?
Silêncio.
– Se é uma dama decente, não deveria usar calças e paletó. – Eu insisti no assunto.
Perdendo a paciência, a desconhecida se deteve bruscamente e se virou para me encarar. Embora parte de seu rosto estivesse novamente oculto pelo chapéu, era visível que sua expressão demonstrava aborrecimento.
– E o senhor, se é um cavalheiro decente, não deveria me dizer o que eu devo ou não fazer.
Dito isto, a dama voltou a caminhar enquanto eu me detive onde estava, levando alguns segundos para dizer:
– Perdão.
Minha resposta a fez parar de imediato.
– O que disse?
– Perdoe-me. Não fora minha intenção ofendê-la. – Minha mãe ficaria bastante aborrecida se soubesse que eu tinha dito tal coisa a uma dama. Ela sempre dizia que nós, seus filhos, deveríamos respeitar os desejos a as decisões de uma mulher, mesmo que nossa sociedade nos dissesse o contrário. – Está certa. Não tenho o direito de dizer o que uma dama, o que a senhora deve ou não fazer, nem julgá-la por isso. Tem direito a fazer suas próprias escolhas. – Eu acrescentei. – É só que... fiquei intrigado. Nunca havia visto uma dama se vestindo como um cavalheiro.
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Flor de East End
Lãng mạnA noite pareceu promissora para o jovem Edward Walker: ele decidira descobrir os prazeres carnais que até então lhe eram desconhecidos aceitando o convite a uma incursão a Whitechapel, a área de Londres mais decadente e contrastante com sua vida de...