Confiança

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[Edward]

Lady Grantham, minha verdadeira amiga, agora eu podia dizer com convicção, recolheu a mão, findando o contato entre nossas peles.

– Percebera? – Indaguei-a.

– O quê?

– Que ter aberto algumas páginas de sua vida a mim não lhe causou nenhum mal. – Eu respondi com uma alegria quase infantil.

Ela tentou me retribuir com um olhar ranzinza, mas não conseguiu.

– E agora que confiamos um no outro, por que não me conta a razão que a levou a vir até este lugar? A começar tudo isto. – Eu retomei a palavra, meus olhos passeando pelo cômodo vazio e silencioso pela ausência das crianças.

Minha amiga me observou, mas preferiu me questionar:

– Alguma vez já sentiu que sua posição nesta sociedade lhe trouxera algum infortúnio?

– Não. – Não havia dúvida em mim quanto a isto. Mesmo que eu fosse a quem chamavam de primeiro filho, o herdeiro de meu pai, eu não sentia que minha posição me trouxera algo de negativo.

– Que afortunado... Pois este não é o meu caso. – Os ombros de lady Grantham murcharam em desalento. – Por ser filha de quem eu sou, nunca me foi permitido ter controle sobre minha própria vida, infortúnio este que me fizera ganhar cicatrizes que me machucam até hoje.

Eu lhe lancei um olhar verdadeiramente pesaroso.

– Imagino que a negação de seu livre arbítrio seja algo inerente à sua natureza feminina, condicionada à obediência a uma figura que decide por si, seu pai, seu irmão, estou certo?

– Absolutamente.

– Eu... sinto muito... – Minha mão se movimentou, buscando tocar a sua para lhe reconfortar, porém, eu me detive. – Se eu pudesse...

– Perdão. Milorde não tem culpa de a sociedade ser da forma que é. – Minha amiga me interrompeu, sacudindo a cabeça. – Deseja saber por que escolhi Whitechapel e não qualquer outro lugar de Londres?

Eu acenei positivamente com a cabeça.

– Depois daquela visita às ruas de Whitechapel, de descobrir como as pessoas vivem aqui, algo mudou em sua pessoa, milorde?

– Se algo mudou em mim? – Precisei pensar por alguns segundos para estar certo de minha resposta. – Fora uma experiência deveras marcante, mas eu não estaria sendo sincero se lhe dissesse que algo mudou em mim verdadeiramente. Não da maneira como imagino que esteja se referindo.

– Pois bem, eu vim até Whitechapel pois o vejo com outros olhos porque... algo em minha vida está ligado a este lugar.

Eu me vi confuso e retruquei, sem mau julgamento:

– Não consigo ver como uma lady poderia ter uma relação com este lugar.

– Mas tenho. Ainda que não tenha sido consequência de uma decisão minha. – Lady Grantham disse com evidente pesar.

– Só não está pronta para me revelar os detalhes ainda? – Eu decifrei a mensagem em seus olhos.

– Infelizmente, não. – Ela desviou o olhar do meu. – Então, no fim das contas, testemunhar a situação destas pessoas me fez ver o quão injusto e cruel pode ser o mundo. Reflita comigo, milorde. Nós temos uma casa para a qual voltar, uma lareira para nos aquecer no frio, comida abundante e sempre disponível. Mas e estes desafortunados? Muitos precisam procurar diariamente por um lugar onde se abrigar no relento e no frio, não sabem se terão uma refeição para comer no dia, não sabem se sobreviverão à próxima onda de doenças que os atingirá.

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