Um coração relutante

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Já se passara uma semana desde os acontecimentos no Hyde Park. Em todo este tempo, não vi nem tive contato com a senhorita Grantham.

Mas isto não significa que meus pensamentos não tivessem sido invadidos por sua imagem durante todos estes dias. A razão para tal? O seu comportamento. Ele me deixara inquieto, e mais que isto, preocupado.

Minhas observações acerca de minha amiga me apontavam para a existência de um quê melancólico em sua alma, suspeita que eu já lhe confidenciara, mas agora, além disto, eu também supunha que lady Grantham escondia algum trauma. Trauma este que poderia ou não estar relacionado a esta tristeza que eu via camuflada através de seus olhos.

Cuidando de meus afazeres, dispendi a tarde toda no escritório de Manchester House junto a meu pai. Nós debatemos sobre as últimas notícias das escavações em Saqqara, onde haviam descoberto uma nova tumba repleta de artefatos. Decidido a não esquecer de sua promessa, a de que me levaria ao Cairo, relembrei o assunto a meu pai e ele me prometeu escrever ao arqueólogo Auguste Mariette, um francês erradicado no Egito, responsável pelo Serviço de Antiguidades do país. A intenção era conseguir que Mariette me recebesse e me tutelasse quando enfim estivéssemos em terras egípcias. Com o plano, agora mais palpável, eu me vi entusiasmado, embora algo desconhecido dentro de mim me despertasse algum pesar por pensar em ficar longe da Inglaterra por vários meses.

O sol da tarde estava ameaçando se esconder no céu quando eu enfim julguei que era tempo de rever minha amiga.

Sem avisar para onde exatamente eu estava indo, montei em Kiggo e rumamos juntos a Whitechapel.


~*~


Eu não mudara de ideia naquele final de tarde de segunda-feira por acaso. Eu sabia que a casa estaria vazia, ou pelo menos, sem as crianças. Era a oportunidade perfeita para estar a sós com ela.

Eu abri a porta de madeira desgastada, pintada de verde, com cuidado, evitando que ela rangesse. A sala do abrigo estava vazia, mas o barulho de passos inquietos, que eu presumi que fossem os da senhorita Grantham, pois o som se assemelhava muito àquele produzido por sapatos masculinos, mais pesados, ecoava, abalando a ausência de figuras no local.

Fui entrando, aproximando-me lentamente da cozinha, detendo-me ao lado da porta:

– A senhorita não tem uma prima ou uma amiga que possa lhe emprestar algumas joias?

– Senhora Bentley, se fosse apenas o caso de mostrar as joias por apenas um dia, eu poderia recorrer a este truque. Mas meu irmão deseja inventariar as peças deixadas por nossa mãe. Irá catalogá-las e pedir a um ourives que coloque um preço por elas. Assim suponho que não há como fazer tal coisa com uma coleção emprestada. – A voz da senhorita Grantham soou aflita e o ruído do sapato batendo contra os ladrilhos ressoou mais uma vez, fazendo-me pressupor que ela havia se movimentado pelo espaço da cozinha.

– E por que diabos seu irmão resolveu ter esta ideia agora?! – Indagou-lhe a matrona.

– Pelos céus, eu ainda não sei, senhora Bentley! Contudo, se meu irmão tem se preocupado em levantar todos os nossos bens é porque há algo por vir. E isto me aflige.

– Mas pense, senhorita. Os cavalheiros não costumam se atentar a detalhes como quantidade de joias ou vestidos de uma dama. Portanto, há alguma chance de que ele nem perceba a ausência de alguma delas.

– Ainda assim, há a lista dos itens no testamento de minha mãe. Qualquer divergência com o documento levantará suspeitas de que alguma joia está perdida. E neste caso, que explicação eu teria para dar a meu irmão? Que fui roubada? Mas em que momento isto acontecera, se mal compareço a eventos sociais? E... eu jamais seria capaz de levantar uma falsa acusação de roubo dentro de nossa casa. Seria um pecado suscitar a culpa em nossos criados, que são inocentes!

Flor de East EndOnde histórias criam vida. Descubra agora